São Paulo, sexta-feira, 30 de outubro de 2009

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Convite ao tumulto

Presença de Chávez no Mercosul, aceita em comissão do Senado, pode tornar mais instável instituição já fragilizada

AO APROVAR a entrada da Venezuela no Mercosul, por 12 votos a 5, a Comissão de Relações Exteriores do Senado atende às pressões do Executivo e de lobbies empresariais interessados no sentido de manter uma política de "boa vizinhança" com o governo de Hugo Chávez.
A decisão, que ainda tem de passar pelo plenário, expressa o generalizado interesse governista de afastar do debate qualquer julgamento sobre o verdadeiro caráter do regime vigente na Venezuela.
Como se sabe, a participação de um país no Mercosul submete-se à chamada "cláusula democrática", instituída em 1998. Eis que no país de Hugo Chávez não se instaurou uma ditadura propriamente dita: a ressalva satisfaz os defensores de seu ingresso no bloco, que acrescentam não ser o caso de maior aprofundamento na análise dos assuntos internos daquele país.
Não faltam evidências de que o sistema político da Venezuela gira em torno dos caprichos e do histrionismo de um caudilho.
Pode-se argumentar, como é costume do presidente Lula sempre que indagado sobre o assunto, que Hugo Chávez foi eleito democraticamente pela maioria da população.
O problema representado pela presença da Venezuela no Mercosul não se resolve, entretanto, quando Executivo e parlamentares da base governista se agarram aos fiapos de democracia que ainda possam ter resistido às investidas do chavismo. Qualquer que seja o rótulo do regime, o problema tem outro nome. Chama-se Hugo Chávez.
São irrealistas os argumentos de que está em jogo a relação entre Estados -a Venezuela, de um lado, e os países do Mercosul, de outro. Os interesses comerciais e os laços de amizade que aproximam a Venezuela dos vizinhos no continente persistem. Mas se as instituições de um Estado se tornam secundárias diante da vontade unilateral de um governante, é a respeito deste que cumpre fazer uma avaliação.
À frente do governo venezuelano, Hugo Chávez se vê desimpedido para realizar expropriações arbitrárias, romper contratos, apostar no dissenso, na provocação, na bravata e no tumulto em qualquer fórum internacional de que participe.
Com suas ambições de hegemonia sobre o continente, será Chávez, e não uma Venezuela abstrata, quem irá dispor de poder de veto sobre as decisões do Mercosul, caso venha a confirmar-se seu ingresso no bloco.
Os sinais de fragilidade do Mercosul, por outro lado, acumulam-se de forma preocupante. Nesta semana, para mencionar o caso mais recente, a troca de represálias comerciais entre Brasil e Argentina paralisou o movimento de cargas de vários produtos, como trigo, peixe e frutas, nos postos de fronteira.
O ambiente não poderia ser mais propício para quem, com o beneplácito irrefletido do Brasil, quiser atuar pela desagregação de um bloco fundado para criar um espaço de desenvolvimento e democracia no continente.


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