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Reinações do CNE
Mesmo levando em conta os padrões de excepcional qualidade
da obra infantil de Monteiro Lobato, "Caçadas de Pedrinho" ocupa
um lugar à parte. Sem incidir no
enciclopédico didatismo que, com
o passar dos anos, levou o autor
-e seus personagens- aos territórios da gramática, da aritmética
e da geologia, o livro combina magistralmente um certo enfoque
realista do cotidiano rural com o
humor, a fantasia e a aventura.
Publicado em 1933, dois anos
depois da estreia do autor no gênero, com "Reinações de Narizinho", trata-se sem dúvida de um
dos livros mais carinhosamente
guardados na memória do público
brasileiro.
Por isso mesmo, haverá de ser
quase como um insulto pessoal
que muitos receberão a iniciativa,
tomada por alguns burocratas em
Brasília, de advertir contra a adoção de "Caçadas de Pedrinho" nas
escolas da rede pública.
Parecer do Conselho Nacional
de Educação (CNE) considerou
inadequado o conteúdo da obra,
que conteria, por exemplo, "menção revestida de estereotipia ao
negro e ao universo africano".
É verdade. Tia Nastácia é objeto, como em outros livros de Lobato, de patente preconceito; "Caçadas de Pedrinho" compara-a, numa passagem, a uma "macaca de
carvão". Por chocantes que sejam
essas palavras hoje em dia, o fato é
que ao escrevê-las o autor não se
afastou da mentalidade que predominava na elite de seu tempo
-e nenhum livro clássico, desde
Homero, resistiria incólume a um
teste de correção política.
Seria correto, por exemplo, matar a golpes de espada os inimigos, como ocorre em qualquer história de cavaleiros, gigantes e dragões? Não seria machista um príncipe encantado? As feias irmãs de
Cinderela mereceriam tratamento
mais equilibrado?
Felizmente, a literatura não se
conforma aos critérios de quem
pretende discipliná-la com a régua, em si mesma variável historicamente, do certo e do errado. Se
há racismo em Lobato, melhor
discuti-lo em classe do que evitar
sua leitura. O CNE teme, tudo indica, que professores da rede pública não saibam abordar adequadamente a questão. Não seria preconceito, entretanto, imaginá-los
tão incapazes intelectualmente?
Os macacos, diz um dos trechos
de Lobato criticados pelo CNE, parecem-se muito com os homens.
"Só dizem bobagens". É uma pena
que não se possam indicar, para a
composição do ilustre colegiado,
sábios como o Burro Falante, o rinoceronte Quindim, o Visconde
de Sabugosa ou, vá lá, uma boneca de pano.
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