São Paulo, sábado, 30 de novembro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Um basta no 'basta'

RIO DE JANEIRO - Lendo o livro de Elio Gaspari, encontrei uma nota em que ele menciona meu nome quando procura identificar o autor de dois editoriais do "Correio da Manhã", publicados na virada de 31 de março para 1º de abril de 1964.
Até hoje não se sabe quem escreveu o "Basta" e o "Fora", atribuídos a Edmundo Moniz, que era o nosso redator-chefe.
Elio realmente me perguntou sobre o assunto e eu disse o que sabia. O jornal vinha combatendo o governo de João Goulart, que entrava em decomposição, criando um cenário que poderia descambar numa guerra civil. Na mecânica dos editoriais -que, em linhas gerais, é a mesma até hoje-, combina-se um texto aprovando ou criticando um fato ou pessoa do dia. Em casos mais simples, um editorialista é destacado para escrever o texto inteiro, posteriormente lido e aprovado pelos demais.
Na crise de 1964, os editoriais eram discutidos exaustivamente pela equipe liderada por Moniz e da qual faziam parte Otto Maria Carpeaux, Osvaldo Peralva e Newton Rodrigues, entre outros.
Eu estava recém-operado, no meu apartamento em Copacabana, e Edmundo Moniz, que ia me visitar todos os dias, telefonou-me para comunicar que Carpeaux desejava pisar forte, com um editorial virulento contra Jango. O próprio Carpeaux sugerira que Moniz me consultasse, uma vez que nós dois éramos afinados, tanto em política como em literatura. Minha participação limitou-se a cortar um parágrafo e acrescentar uma pequena frase. Hora e meia mais tarde, Moniz telefonou-me outra vez, lendo o texto final que absorvia a colaboração dos editorialistas, e, embora o conteúdo fosse o piloto elaborado por Carpeaux, a linguagem traía o estilo espartano do próprio Moniz.
Como disse ao Elio Gaspari, um bom editorial é obra coletiva como uma catedral gótica. Não expressa o pensamento de um indivíduo, mas o clima de uma época.


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