São Paulo, sábado, 30 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Deve-se criar um Ministério do Ensino Superior?

SIM

É preciso voltar a discutir o ensino superior

JOSÉ ANTÔNIO ALEIXO DA SILVA

Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência, mesmo correntes contrárias à sua eleição vislumbraram um novo tratamento ao ensino superior por ele ser um ex-professor universitário. Mas logo os conflitos se mostraram inevitáveis e, ao final de seu mandato, a situação do ensino superior é lamentável. Enquanto isso, houve a proliferação de instituições privadas, pondo o quantitativo como prioridade e deixando a qualidade em segundo plano.
Em 1994, as instituições privadas de ensino superior correspondiam a 74% das existentes no país e, em 2000, eram 85%, com o número de matrículas crescendo 121%, enquanto no ensino público o crescimento foi de 36%. Hoje, o Brasil tem 7,7% dos jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior, sendo um terço em instituições públicas e dois terços em instituições privadas, o que confere ao país uma das maiores taxas de privatização do ensino superior no mundo. Foi instituído o Provão (Exame Nacional de Cursos) para avaliar o ensino de graduação, mas não houve uma política de apoio aos cursos deficientes. Ao que parece, o Ministério da Educação apostou em criar um instrumento que qualificasse o ensino privado em vez de investir na expansão do ensino público, mesmo que este tenha apresentado melhores resultados.
A exclusão ao ensino público cresce de forma exponencial. Em 2002, a oferta de vagas nas instituições públicas foi de cerca de 245 mil para 5,1 milhões de candidatos. Se o crescimento continuar obedecendo aos padrões atuais, em 2009 teremos 400 mil vagas para 15,2 milhões de candidatos. Isso torna a educação um excelente mercado, auferindo lucros exorbitantes aos investidores. Prova disso é a atual tentativa da Organização Mundial do Comércio de globalizar o ensino, sendo o Brasil um mercado altamente promissor.
No que diz respeito aos investimentos no ensino superior, dados recentes mostram que houve uma redução na ordem de 33%, caindo de 0,91% para 0,61% do PIB. Greves, sucateamento de laboratórios, imposição ministerial nas nomeações de reitores caracterizam a passagem de Paulo Renato pelo MEC.
Parte das poucas verbas que chegaram às universidades veio do Ministério da Ciência e Tecnologia, através de projetos especiais, entre eles os fundos setoriais, talvez inspirados nos "fundos vinculados" adotados no final da era Thatcher no Reino Unido. Mesmo o CNPq, principal órgão do MCT ligado às universidades, recebeu severos cortes orçamentários.
Pela primeira vez nos últimos 30 anos, houve uma redução de cerca de 12% na produção científica do Brasil, e as desigualdades regionais são significativas. Nos EUA, nenhuma universidade produz mais de 1,5% do total de publicações. No Brasil, a USP produz 25%.
Resultante do descaso governamental para com o ensino superior, voltou à discussão sua separação do ensino básico, mesmo não constando do programa oficial do governo recém-eleito. Discute-se criar um Ministério do Ensino Superior -uma idéia do senador eleito Cristovam Buarque (PT-DF)- ou transferir as Ifes (Instituições Federais de Ensino Superior) para o MCT.
Cristovam fundamenta sua idéia dizendo que países como França, Cuba e Rússia têm ministérios para o ensino superior. Questiona o fato de a área econômica possuir cinco ministros e a Cultura e o Esporte, ministérios específicos. Afirma ainda que é inadmissível que um ministro que deseje dar atenção às universidades tenha que, de certa forma, desviar a atenção do ensino básico.
No atual sistema educacional brasileiro, o ensino infantil é de responsabilidade dos municípios; o ensino fundamental, do município e do Estado; e o ensino médio, do Estado. Já o ensino superior público é de responsabilidade da União. Portanto, mesmo considerando as dificuldades orçamentárias, é louvável a idéia de Cristovam, pois pode resultar em melhorias do sistema educacional do país.
Argumentos contrários existem, principalmente concernentes à transferência do ensino superior para o MCT. As ciências humanas, teoricamente, seriam prejudicadas por lidar com assuntos que, necessariamente, não geram novas tecnologias ou produtos de mercado. Outros defendem que o sistema básico e o superior devem continuar associados, já que o profissional da educação básica é formado na universidade.
O importante é que, após um longo período em que o ensino superior só era lembrado em épocas de greves, ele volta a ser discutido. Na proposta do PT para o ensino superior, os dois primeiros compromissos são: a) promoção da autonomia universitária e da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão nos termos da Constituição (artigo 207); b) reconhecimento do papel estratégico das universidades, em especial as do setor público, para o desenvolvimento econômico e social do país.
Portanto não importa onde o ensino superior seja alocado, o fundamental é o reconhecimento de sua importância e o tratamento adequado pelo novo governo, que deve dar direitos e cobrar deveres.


José Antônio Aleixo da Silva, 51, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, é secretário regional da SBPC/PE


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