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TENDÊNCIAS/DEBATES
Deve-se criar um Ministério do Ensino Superior?
NÃO
Ócio remunerado
JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO
Está em estudo a proposta do senador eleito Cristovam Buarque (PT-DF) de transferir as universidades para
a jurisdição do Ministério da Ciência e
Tecnologia e deixar os demais níveis de
ensino com o Ministério da Educação.
O artigo 211 da Constituição estabelece
que os Estados e o Distrito Federal
"atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e médio" e os municípios
"no ensino fundamental e na educação
infantil", mas isso não constitui problema porque, no Brasil, Constituição existe para ser mudada.
A proposta tem aspectos curiosos. O
ensino esteve vinculado ao Ministério
da Instrução Pública, Correios e Telégrafos e a ministérios em que coexistiram Justiça, Cultura, Saúde e Esportes.
Em 1925, um acórdão do STF dispensou
um aluno de comparecer às aulas por
lhe cercear o "direito de ir e vir" e o decreto 3.603 de 1918 promoveu alunos e
dispensou de vestibulares os que tivessem ou não contraído a gripe, desde que
requeressem exames "no prazo de 30
dias", um largo passo para erodir a seriedade do ensino. "Zoologia Filosófica" também já foi matéria curricular.
O ensino superior tem uns 3 milhões
de alunos, e apenas 500 mil estão em escolas federais; as creches têm um milhão, e só 900 acham-se nessas escolas;
na pré-escola, os números são 4,8 milhões e 1.600; no fundamental, são 35,3
milhões e 27,4 mil; no técnico, as federais têm 56,6 mil num total de 462 mil e,
no médio, os números são 8,8 milhões e
113 mil. Em suas escolas, o governo federal tem apenas 1,6% dos estudantes.
Neste ano, o orçamento do MEC foi
de R$ 17,4 bilhões, e o do MCT, de R$ 2,8
bilhões. Se o MCT receber as universidades federais, deve ficar com a parte
correspondente do orçamento do MEC,
uns R$ 10 bilhões, além da relativa ao
pessoal do ministério. Sobrará muito
dinheiro para cuidar de tão poucos alunos, menos de 180 mil. Consumar tal
proposta implica confusões burocráticas, administrativas e legais, anos para
pô-la em prática e apenas comprova ser
melhor, e mais barato, o MEC fechar as
portas e transferir o que sobrou para os
Estados e municípios, evitando o desonroso ócio remunerado.
Há muitas opções para aprimorar o
ensino brasileiro -nenhuma depende
de penduricalhos, e todas dependem de
seriedade e mérito. Hoje, muitas universidades são sinecuras conduzidas
por uma ectoplásmica "comunidade
acadêmica" que as dirige, cujos reitores
e dirigentes foram por elas indicados; o
poder público, leniente e tíbio, homologa as decisões e cala-se em nome da "autonomia". Reitor e dirigente de universidade pública são cargos da confiança
do Presidente da República e dos governadores e não podem ter mandato.
Para aprimorar a educação, importam, em primeiro lugar, a seriedade e o
mérito; sem eles, nenhuma instituição
sobrevive. A nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), todos sabem,
trouxe apenas coisas boas e novas, mas
as boas não eram novas e as novas não
eram boas; dentre estas, está a "promoção automática" que, por absconsas razões pedagógicas, não mais avalia os
alunos mensalmente, semestralmente e
anualmente, mas ao final de ciclos, o
que levou analfabetos à oitava série.
Seriedade e mérito não existem para
alunos apenas; não é admissível a sinecura acadêmica que permite metamorfoseá-los em professores, prática proibida nos EUA, contra qual se insurgiu o
matemático Laurent Schwartz ("Pour
Sauver l" Université", ed. Seuil, 1983).
Nem é admissível que o MEC lave as
mãos diante de casos graves, sob o argumento de "preservar a autonomia"; ele
nada fez ao comprovar, até pela internet, que há professor titular em universidade pública que se faz passar por
mestre em economia, sem jamais ter
freqüentado a escola onde diz ter feito o
curso, e por doutor em economia pela
Sorbonne, que já não existia; tem um diploma honroso, mas inferior, de "Troisième Cycle", que não é de economia,
mas de geografia. À sua época e do juiz
Nicolau, sua universidade vendeu terrenos à construtora do TRT de SP.
A frase do Prêmio Nobel S. Weinberg,
"Estou convencido de que, sem grandes
universidades de pesquisa, nós, nos
EUA, teríamos de nos manter plantando soja e mostrando o Grand Canyon
aos turistas da Alemanha e Japão" ("Facing Up, Science and its Cultural Adversaries", Harvard Press, 2001), deve ser
lembrada por ser a que melhor explica a
razão da pobreza do Brasil e a da riqueza dos EUA.
A administração federal que assume
em janeiro, ao contrário do que lhe prometem videntes comprometidos, não
navegará em mar tranqüilo, mas nele
encontrará procelas, escolhos, nevoeiros, furacões e "tsunamis"; por isso
também, na área da educação, que vive
situação de extrema penúria, convém
ter cautela e lembrar que nenhum dos
seus problemas será resolvido apenas, e
muito simploriamente, mudando penduricalhos em organogramas federais.
José Carlos de Almeida Azevedo, 69, é doutor
em física pelo MIT e ex-reitor da Universidade de
Brasília (1976-1985)
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