São Paulo, sábado, 30 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Deve-se criar um Ministério do Ensino Superior?

NÃO

Ócio remunerado

JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO

Está em estudo a proposta do senador eleito Cristovam Buarque (PT-DF) de transferir as universidades para a jurisdição do Ministério da Ciência e Tecnologia e deixar os demais níveis de ensino com o Ministério da Educação. O artigo 211 da Constituição estabelece que os Estados e o Distrito Federal "atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio" e os municípios "no ensino fundamental e na educação infantil", mas isso não constitui problema porque, no Brasil, Constituição existe para ser mudada.
A proposta tem aspectos curiosos. O ensino esteve vinculado ao Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos e a ministérios em que coexistiram Justiça, Cultura, Saúde e Esportes. Em 1925, um acórdão do STF dispensou um aluno de comparecer às aulas por lhe cercear o "direito de ir e vir" e o decreto 3.603 de 1918 promoveu alunos e dispensou de vestibulares os que tivessem ou não contraído a gripe, desde que requeressem exames "no prazo de 30 dias", um largo passo para erodir a seriedade do ensino. "Zoologia Filosófica" também já foi matéria curricular.
O ensino superior tem uns 3 milhões de alunos, e apenas 500 mil estão em escolas federais; as creches têm um milhão, e só 900 acham-se nessas escolas; na pré-escola, os números são 4,8 milhões e 1.600; no fundamental, são 35,3 milhões e 27,4 mil; no técnico, as federais têm 56,6 mil num total de 462 mil e, no médio, os números são 8,8 milhões e 113 mil. Em suas escolas, o governo federal tem apenas 1,6% dos estudantes.
Neste ano, o orçamento do MEC foi de R$ 17,4 bilhões, e o do MCT, de R$ 2,8 bilhões. Se o MCT receber as universidades federais, deve ficar com a parte correspondente do orçamento do MEC, uns R$ 10 bilhões, além da relativa ao pessoal do ministério. Sobrará muito dinheiro para cuidar de tão poucos alunos, menos de 180 mil. Consumar tal proposta implica confusões burocráticas, administrativas e legais, anos para pô-la em prática e apenas comprova ser melhor, e mais barato, o MEC fechar as portas e transferir o que sobrou para os Estados e municípios, evitando o desonroso ócio remunerado.
Há muitas opções para aprimorar o ensino brasileiro -nenhuma depende de penduricalhos, e todas dependem de seriedade e mérito. Hoje, muitas universidades são sinecuras conduzidas por uma ectoplásmica "comunidade acadêmica" que as dirige, cujos reitores e dirigentes foram por elas indicados; o poder público, leniente e tíbio, homologa as decisões e cala-se em nome da "autonomia". Reitor e dirigente de universidade pública são cargos da confiança do Presidente da República e dos governadores e não podem ter mandato.
Para aprimorar a educação, importam, em primeiro lugar, a seriedade e o mérito; sem eles, nenhuma instituição sobrevive. A nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), todos sabem, trouxe apenas coisas boas e novas, mas as boas não eram novas e as novas não eram boas; dentre estas, está a "promoção automática" que, por absconsas razões pedagógicas, não mais avalia os alunos mensalmente, semestralmente e anualmente, mas ao final de ciclos, o que levou analfabetos à oitava série.
Seriedade e mérito não existem para alunos apenas; não é admissível a sinecura acadêmica que permite metamorfoseá-los em professores, prática proibida nos EUA, contra qual se insurgiu o matemático Laurent Schwartz ("Pour Sauver l" Université", ed. Seuil, 1983). Nem é admissível que o MEC lave as mãos diante de casos graves, sob o argumento de "preservar a autonomia"; ele nada fez ao comprovar, até pela internet, que há professor titular em universidade pública que se faz passar por mestre em economia, sem jamais ter freqüentado a escola onde diz ter feito o curso, e por doutor em economia pela Sorbonne, que já não existia; tem um diploma honroso, mas inferior, de "Troisième Cycle", que não é de economia, mas de geografia. À sua época e do juiz Nicolau, sua universidade vendeu terrenos à construtora do TRT de SP.
A frase do Prêmio Nobel S. Weinberg, "Estou convencido de que, sem grandes universidades de pesquisa, nós, nos EUA, teríamos de nos manter plantando soja e mostrando o Grand Canyon aos turistas da Alemanha e Japão" ("Facing Up, Science and its Cultural Adversaries", Harvard Press, 2001), deve ser lembrada por ser a que melhor explica a razão da pobreza do Brasil e a da riqueza dos EUA.
A administração federal que assume em janeiro, ao contrário do que lhe prometem videntes comprometidos, não navegará em mar tranqüilo, mas nele encontrará procelas, escolhos, nevoeiros, furacões e "tsunamis"; por isso também, na área da educação, que vive situação de extrema penúria, convém ter cautela e lembrar que nenhum dos seus problemas será resolvido apenas, e muito simploriamente, mudando penduricalhos em organogramas federais.


José Carlos de Almeida Azevedo, 69, é doutor em física pelo MIT e ex-reitor da Universidade de Brasília (1976-1985)


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