São Paulo, segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

A prevenção do câncer

RAUL CUTAIT


Para essa doença, aplica-se o sábio ditado popular que diz que mais vale prevenir que remediar. A questão é: como?


R EPORTAGENS publicadas nas duas últimas semanas comentaram mudanças propostas por sociedades médicas americanas relacionadas com a prevenção do câncer de mama e do colo uterino, enfatizando a discussão entre a eficácia dos programas e seus custos. O tema é de grande importância, já que o câncer é responsável por cerca de 15% dos óbitos registrados na maioria dos países ocidentais, só perdendo para as doenças cardiovasculares, que causam 30% das mortes. Ambos os conjuntos de doenças, embora atinjam jovens, são mais frequentes após a quinta década de vida. Assim, espera-se uma incidência crescente nas próximas décadas, em função da longevidade cada vez maior da população mundial. É verdade que os modernos avanços diagnósticos e terapêuticos permitem, nos dias atuais, curar mais da metade de todos os casos de câncer. Porém, é inegável o sofrimento físico e emocional que essa doença traz, tanto para o paciente quanto para seus familiares. Por outro lado, não há como fugir da inevitável limitação de recursos econômicos, humanos e estruturais que precisam ser disponibilizados para tratar de forma apropriada os portadores de câncer. Assim, para essa doença, aplica-se perfeitamente o sábio ditado popular que diz que mais vale prevenir que remediar. A questão é: como? Nas últimas duas décadas, diversos programas têm sido elaborados com o intuito de promover a prevenção do câncer por meio da chamada prevenção primária -relacionada com hábitos e estilo de vida, deve ser cultivada desde a infância- e da prevenção secundária -definida pelo risco de um indivíduo de desenvolver algum tipo de câncer, em função da idade, de história pessoal ou familiar ou, então, de doenças associadas. Do ponto de vista médico, os programas de prevenção do câncer são elaborados a partir de duas vertentes: as evidências científicas, que procuram definir os níveis de risco de cada tumor para um determinado indivíduo, e a definição dos melhores exames, bem como sua periodicidade, para minimizar ou abolir esse risco. Porém, prevenção não é algo tão simples de fazer. Inicialmente, existem diferentes interpretações das evidências científicas, nem sempre muito sólidas, o que gera discordâncias nas propostas oriundas de instituições sérias e competentes. Por outro lado, existem problemas de ordem prática para a implantação de quaisquer programas de prevenção, destacando-se a limitação de recursos econômicos para investimento e custeio de programas abrangentes, bem como a insuficiência de estruturas e pessoal capacitado para aplicar esses programas. Mais ainda, é preciso conseguir que a população tenha as informações e a motivação para se submeter a medidas e exames preventivos. Felizmente, os tumores mais frequentes (pulmões, mama, próstata e intestino grosso e, em países menos desenvolvidos, colo de útero) são passíveis dos programas de prevenção mais eficazes. A pergunta que se impõe: quais as melhores estratégias para nosso país, entendendo o impacto positivo de programas de prevenção e, ao mesmo tempo, as limitações de nosso sistema de saúde? No setor público, entendo que a prevenção do câncer deve ser encarada como uma prioridade, com disponibilização de recursos para atender, no mínimo, as populações com risco maior. A grande porta de entrada é, sem dúvida, a estrutura de atenção primária, em especial a do Programa Saúde da Família, integrada com centros de atenção secundária e terciária. Já o setor privado, que atua sob a lógica da prestação de serviços e do lucro, deveria incorporar às suas rotinas programas de prevenção de doença e promoção da saúde para seus associados -não como peça de marketing, mas como estratégia de coibir gastos futuros excessivos e desnecessários com o tratamento de doenças avançadas. As entidades médicas e a imprensa, por sua vez, devem exercer seu papel orientador, educativo e fiscalizador. Um projeto nacional envolvendo os setores público e privado, assim como a sociedade civil, permitirá, a médio e longo prazo, diminuir o risco de câncer de determinados grupos populacionais ou, então, fazer seu diagnóstico em fases mais precoces, que se associam a maiores chances de cura. Os que não sofrerão agradecem.


RAUL CUTAIT , 59, membro da Academia Nacional de Medicina, é professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Instituto para o Desenvolvimento da Saúde. Foi secretário da Saúde do município de São Paulo (gestão Paulo Maluf).


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Marta Suplicy: A experiência que não se quer aprender

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.