São Paulo, terça, 30 de dezembro de 1997.



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O culto à personalidade (2)

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Comentava ontem o culto da personalidade que serviu de "starter" para a formação dos grandes e pequenos ditadores deste século. Outro dia, em Belo Horizonte, um cidadão reclamou de minhas críticas ao presidente da República e se saiu com esse argumento: "Se não for ele, quem será?".
Este é o ponto de fusão onde se cozinha o "salvador da pátria". A mídia, em alguns casos espontaneamente, em outros forçadamente, criou um deserto de homens e expectativas em torno da atual equipe no poder. Só FHC sabe onde está o mapa do tesouro. Lideranças antigas e emergentes são silenciadas ou ridicularizadas. Os frangos do Maluf, por exemplo, foram guindados a escândalo ciclópico. Mas a compra de votos para a reeleição (o episódio mais repugnante de 1997) foi sepultado sem direito de ressurgir dos mortos.
A mídia só se dedica à tarefa investigativa quando se trata da gravidez da Xuxa, do que Boni vai fazer na vida ou do grau de envolvimento de Maluf com a granja que vendia frangos à Prefeitura de São Paulo. No maior assunto do ano (levantado aqui mesmo na Folha pelo Fernando Rodrigues) caiu uma pedra de silêncio e cumplicidade.
Lendo a biografia de Beria, escrita por Amy Knight, compreende-se como o auxiliar de Stalin criou o seu próprio culto e ajudou na criação do culto à personalidade de seu chefe. Até os centímetros das fotos publicadas na imprensa eram medidos e cobrados. A minutagem dos programas radiofônicos (não havia TV ainda) motivava brigas e degolas.
Era necessário que, a cada dia, houvesse determinados centímetros e minutos dedicados ao Genial Guia dos Povos, fizesse ele o que fizesse, ou mesmo nada fizesse, como quando ia para a sua datcha e fumava cachimbo ouvindo músicas de sua Georgia natal.
Uma das datchas de Stalin ficava no mar Negro. Era distante pra burro da Marambaia, mas a imprensa elogiava o local com o mesmo entusiasmo.



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