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Os príncipes
Sobrou sorte e faltou ousadia a Lula em 2007; não se deu nenhum desastre, não se assumiu, tampouco, risco nenhum
UM PRESIDENTE confiante e tranqüilo ocupou
as telas de televisão
brasileiras na noite de
quinta-feira, e não eram imaginários os motivos de seu otimismo. Neste final de 2007, Lula colhe os frutos de um programa
econômico e de uma política de
correção das desigualdades implantados há mais de dez anos,
nos quais teve o bom senso de
persistir e que soube aprofundar.
Só interessa aos sectários de
uma ou outra filiação partidária
estabelecer as responsabilidades
pessoais -se de Fernando Henrique, se de Luiz Inácio, que travam uma batalha de egos pelo cetro do príncipe- a respeito dos
índices positivos que a economia
e a sociedade brasileiras ostentam nesta passagem de ano.
Verdade que as expectativas
têm sido modestas. Passou o
tempo em que se acreditava numa súbita elevação do Brasil ao
status de potência. Todos -petistas ou tucanos- aprenderam
com o tempo que o fim do regime
militar não seria o abre-te sésamo de uma era de prosperidade
automática e de justiça social
isenta de conflitos.
Durante um bom tempo, o PT
concentrou em torno de si mesmo as expectativas mágicas de
que poderia dar conta de todos
os problemas do país. Em certa
medida, esse papel já tinha sido
desempenhado pelos tecnocratas tucanos -mais modestos,
sem dúvida, do que tantos petistas embriagados de pureza falsa
e moralismo imaginário.
Arrogância não faltou, contudo -e não falta- na atitude de
governistas e oposicionistas. A
propaganda de ambos se beneficia de uma conjuntura internacional favorável, e é duvidoso
que pudessem ostentar seus feitos sem o concurso da sorte.
Sorte, ou "fortuna", no vocabulário de Maquiavel, faz par com o
conceito de "virtù". A palavra pode ser traduzida menos como um
senso de integridade moral, idéia
que os dias presentes estão longe
de incentivar, e mais como espírito de oportunidade, ímpeto de
renovação.
Beneficiado pela "fortuna", o
governo Lula de algum modo minimizou seu próprio senso de
"virtù". Equilíbrio e prudência
evitaram que o pior acontecesse.
Evitaram, também, que o melhor
fosse tentado.
Na TV, Lula comemora fatos
que ninguém deixará de encarar
como positivos. São poucos, entretanto, diante do que se poderia esperar de seu governo.
O que foi feito diante da crise
terminal vivida pela segurança
pública no país? Como enfrentar
as óbvias distorções do sistema
previdenciário? O que fazer
diante da escandalosa disfuncionalidade, mais uma vez escancarada no caso da CPMF, do sistema político?
Ainda que justas, as comemorações presidenciais carregam o
travo da omissão. Nisso reside a
diferença maquiaveliana entre
"fortuna" e "virtù".
Sobrou "fortuna" e faltou "virtù" a Lula em 2007. Não se deu
nenhum desastre; não se assumiu, tampouco, risco nenhum. A
mediocridade pode ser vista, de
qualquer modo, como um triunfo. Desde que se abandonem, o
que seria deprimente, as perspectivas de fazer do Brasil um
grande e civilizado país.
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