São Paulo, terça-feira, 30 de dezembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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A América do Sul é nosso destino

FABIANO SANTOS


A elite brasileira não deve cair na armadilha de comprometer a credibilidade daquilo que tem feito a diferença de nosso país

O PÚBLICO brasileiro tem ouvido, com alguma freqüência, notícias a respeito de possível rebelião de países vizinhos contra aquilo que seus governantes chamam de dívidas ilegítimas. O Brasil seria alvo quase que exclusivo, pois parte considerável de tal tipo de dívida foi contraída do governo brasileiro, sobretudo por meio do BNDES, tendo em vista viabilizar o financiamento de obras de infra-estrutura, obras cuja realização estaria a cargo de grandes empresas de capital nacional.
Não foi sem alguma perplexidade que soubemos que pesa sobre nosso principal banco de fomento a suspeita de ter realizado operações pouco transparentes, motivando a reação dos atuais governantes de países como Equador, Paraguai e Venezuela. No Congresso, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional ensaia convocar o chanceler Celso Amorim e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, para prestar os devidos esclarecimentos. Nada mais justo. Só não vale dizer que as operações foram feitas sem o devido conhecimento e aval do Legislativo. A lei impede isso.
Ademais, e este talvez seja o ponto principal, se o que está em tela é o modelo que possibilitou a realização da hidrelétrica de San Francisco no Equador, por meio da geração de empregos no Brasil e da exportação de bens e serviços brasileiros de alto valor agregado, longe estamos de uma situação em que o interesse nacional brasileiro não esteja sendo atendido.
É importante que o público saiba que o modelo institucional de garantias mútuas que viabiliza empreendimentos de alta complexidade, com alto valor agregado envolvido, como são os casos de diversas operações de empréstimos do BNDES a governos vizinhos, é de fundamental valor estratégico para a economia brasileira e da América Latina. Trata-se do CCR, convênio entre os países da Aladi (Associação Latino-Americana de Integração) que possui como objetivos básicos estimular as relações financeiras entre os países da região, facilitar a expansão do comércio recíproco e sistematizar as consultas mútuas em matérias monetárias, cambiais e de pagamentos.
O CCR foi muito utilizado ao longo da chamada década perdida, permitindo que a economia latino-americana não desaparecesse com a crise da dívida externa e impulsionasse obras vitais para a industrialização das suas economias, teve o ritmo amortecido durante o período neoliberal, mas volta com muita força agora que o desenvolvimentismo volta a ser o foco de atuação dos governos da região. Ele será mais importante ainda neste momento de crise internacional e de escassez de moeda forte estrangeira.
É importante que autoridades parlamentares e o público brasileiro saibam também que o comportamento do governo equatoriano não atinge o Brasil apenas. Atinge toda a região e a si mesmo, pois o Equador é credor no âmbito do CCR, e a efetiva realização da ameaça de não honrar compromisso assumido o impedirá de receber aquilo que lhe é devido.
Uma estratégia correta nessa conjuntura é a de coordenar esforços multilaterais no âmbito do continente, tendo em vista demonstrar para o governo do Equador que sua atual rota de ação pode agravar a situação de penúria na qual se vêem envolvidos vários dos povos da América do Sul, pois ela ameaça a realização de projetos centrais para a alavancagem econômica da região. Não vale a pena, nessa conjuntura, fragilizar o governo e sua política externa, como se fosse possível tornar esta matéria elemento decisivo para o jogo eleitoral para daqui a dois anos.
Como se fosse possível nos "desacoplarmos" da América do Sul, informando aos nossos vizinhos que nada temos a ver com o que acontece em suas fronteiras. Como se não comprássemos seus produtos, como se não vendêssemos bens e serviços de alto valor agregado, como se não convivêssemos em um mesmo contexto geopolítico.
A América do Sul é nosso destino -disso já sabiam governantes brasileiros antes da atual administração. A ênfase que lhe é dada hoje tem trazido benefícios importantes. O BNDES e o CCR são instituições e mecanismos fundamentais para a realização do interesse nacional no desenvolvimento econômico sustentado. A elite brasileira não deve cair na armadilha de, em nome de uma disputa eleitoral longínqua, comprometer a credibilidade daquilo que tem feito a diferença de nosso país vis-à-vis países que ainda patinam para reequipar suas economias.

FABIANO GUILHERME MENDES DOS SANTOS, doutor em ciência política, é professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Congresso Nacional desse instituto.



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