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Incerteza amarga
ANTONIO DELFIM NETTO
Nada perturba mais profundamente
a biografia do ilustre presidente da
República do que assistir a o extraordinário sucesso do seu programa de
estabilização terminar no pronto-socorro do FMI. Ele deve agradecer a
oportunidade que lhe foi oferecida pelo Congresso Nacional de poder corrigir esse desastre com uma vigorosa
mudança das políticas fiscal, monetária e cambial. Ele tem a chance de recolocar o país no caminho do equilíbrio interno e externo e conservar a
estabilidade tão brilhantemente conseguida. Esse será, certamente, o objetivo do segundo mandato.
A diferença de sentimento entre o
início do primeiro e o do segundo
mandato é enorme. Em janeiro de
1995 tudo era certeza e esperança. O
governo, com uma retórica eficiente e
certeira, tinha nos convencido de que
sabia o que queria e conhecia o caminho. A inflação declinando, a enorme
expansão do nível de atividade, a redução do nível de desemprego, tudo
indicava um futuro brilhante. A eleição no primeiro turno dava ao presidente ainda maior credibilidade e autoridade para proceder às reformas
radicais necessárias para sustentar a
arriscada aposta na sobrevalorização
cambial, que àquela altura já devastara o setor agrícola e prenunciava um
desastre futuro.
Não havia oposição. O sucesso do
Real fora tão acachapante que o debate foi interditado pelo florescimento
de um pensamento único, ideologicamente sustentado por uma proposição que raiava ao absurdo: o governo
sabe tudo. Ele conhece o caminho. É a
luz e inspiração para o desenvolvimento. O seu corolário era que o setor
produtivo privado nacional sempre
vivera de suas benesses. Era hora de
submetê-lo a um regime de emagrecimento: ele só pensa no curto prazo e é
terrivelmente guloso. O governo e o
capital estrangeiro vindo com a abertura vão, afinal, educá-lo convenientemente. Esse era o papel do câmbio
valorizado. A ideologia pervertida
(não a teoria econômica) garantia que
a "désinflation compétitive" iria reeducar os empresários a se conformar
com menores margens de lucro, buscar o aumento da produtividade ou
vender-se aos estrangeiros. E, melhor
ainda, iria, pelo desemprego, reeducar os brasileiros a trabalhar mais e se
conformar com salários menores. O
Banco Central, com sua política de
câmbio sustentada pela maior taxa de
juros real do mundo, iria criar o
"brasileiro novo", feito à imagem
dos seus gênios construtores...
Aos que faziam a menor observação
sobre o desastre cada vez mais visível,
desqualificava-se como "ogros",
"fracassomaníacos", "zelotipistas",
"amigos da inflação" etc., com o
maior suporte de certa mídia "chapa
branca", que comprara a deformação
ideológica como boa ciência econômica.
Por conta de tudo isso, o início do
segundo mandato é mais triste: tudo é
incerteza. Ele começa com uma trágica disputa entre alguns analistas para
saber qual vai ser a queda do PIB em
1999! Todos nós sabemos que essas
"previsões" não podem ser levadas a
sério, porque as séries econômicas
não têm uma estrutura interna bem
definida. O grave mesmo é o sinal da
mudança. Todos aceitam que o PIB
vai cair no primeiro ano do segundo
mandato, o que pode acontecer ou
não, mas cria uma amarga expectativa.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta
coluna.
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