São Paulo, quarta, 30 de dezembro de 1998

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Desenvolvimento e emprego


O Ministério do Desenvolvimento pode representar, se o governo quiser, uma nova etapa em nossa história


LUIZ FERNANDO EMEDIATO

O Ministério do Desenvolvimento pode representar realmente, se o governo quiser e o presidente estiver determinado a isso, uma nova etapa em nossa história. A polêmica sobre sua necessidade era (e é) descabida e equivocada. Apesar dos esforços, o governo não conseguiu construir uma política de desenvolvimento e emprego. Faltaram ação gerencial e estrutura administrativa adequada. Os meios para gerar desenvolvimento sustentado estão descentralizados e às vezes entregues a burocratas medíocres do ponto de vista operacional, embora eventualmente brilhantes ao pensar políticas públicas que raramente conseguem executar.
Em seu primeiro mandato, o presidente estabilizou a moeda, com a política de juros altos e o controle do câmbio. Domou a inflação, mas os juros inviabilizaram o crescimento. A crise financeira global lançou o Plano Real em seu primeiro grande dilema. É falsa a controvérsia sobre a necessidade de substituir a política monetarista, do suposto grupo Malan-Franco, pela desenvolvimentista, do também suposto grupo Serra-Barros. Não se abandona a primeira pela segunda sem uma catástrofe. A virtude está no meio, no abandono seguro e gradual do modelo que começa a falhar. O ministério entregue a Celso Lafer pode tornar mais tranquila essa travessia. Não pode haver conflito entre equipes ou estilos que mais se complementam do que se repelem.
Mas o sucesso desse modelo "contemporizador" depende também de reformas que o Congresso não aprovará sem um jogo duro. O quadro é complexo, mas há o que fazer. Vejamos.
1) Desenvolvimento. O país precisa de um projeto para indústria, comércio e agroindústria, de cujo desenvolvimento depende o emprego. O Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), que tem à frente empresários modernos, como Paulo Cunha e Eugênio Staub, produziu idéias que o governo devia ouvir, como as da nova Fiesp, menos conservadora e faminta de subsídios que a antiga.
O Ministério do Desenvolvimento, que poderia ser também do Emprego, deve ter todas as condições (políticas e operacionais) para coordenar o enorme esforço de centralizar num só organismo a política de desenvolvimento.
O ideal (ainda haverá tempo?) seria que ele fosse como o idealizado pelos irmãos Mendonça de Barros, contendo todas as instituições de fomento, crédito e pensamento econômico positivo do país. Poderia englobar até parte do Ministério do Trabalho, as instituições de crédito hoje ligadas aos ministérios do Planejamento, da Fazenda e da Ciência e Tecnologia (não só BNDES, Banco do Nordeste e Basa, mas também Caixa Econômica Federal e Finep) e, no futuro, após uma reengenharia, o esquizofrênico Banco do Brasil.
Tal centralização poderia dar racionalidade à política de crédito e desenvolvimento. O Estado, terminada a privatização, que deve ser acelerada em 1999, terá abandonado seu papel de agente produtor para regular e orientar o desenvolvimento sustentado. Com a carência de recursos externos, BNDES, FAT e FGTS ficaram sendo as quase únicas fontes de financiamento à produção com prazos mais longos e juros mais acessíveis. O FAT, com patrimônio de R$ 37 bilhões (dos quais R$ 25 bilhões no BNDES), é hoje o principal provedor de créditos para a geração de empregos. O combalido FGTS, administrado pela CEF, precisa ser saneado. Daí a sugestão de incorporá-lo ao novo ministério, de preferência com gestão tripartite, no modelo do FAT.
O Banco do Nordeste, já saneado, é hoje modelo de gestão profissional. O BB, no passado fonte de má gestão e dilapidação por interesses políticos, livrou-se das manchas do passado graças à gestão profissional do eficiente burocrata Paulo Ximenes. Agora, precisa de uma reengenharia, que pode ser mais bem feita por um executivo ousado, do porte do atual presidente do Banco do Nordeste, Byron Queiroz. Dividido em seu foco, o BB hesita entre ser banco de fomento e ser banco comercial. Como não interessa ao Estado concorrer com os gigantes comerciais, resta ao BB ser privatizado ou transformado em banco de desenvolvimento, com foco na área rural, onde faz um bom trabalho.
Com a possível transferência do FAT para o Ministério do Desenvolvimento, seria racional que fosse acompanhado pelas duas secretarias do Ministério do Trabalho que operam só com os recursos do fundo, as de Emprego e Salário e de Desenvolvimento e Formação Profissional. Não seria absurda a fusão delas em uma só, voltada para emprego, renda e educação profissional, que devem ser políticas integradas e hoje não são. Como, porém, o presidente optou por manter o Ministério do Trabalho intocado (ele bem poderia ter sido transformado numa enxuta Secretaria de Relações Sindicais e Fiscalização da Saúde e da Segurança do Trabalhador), esse problema pode ser resolvido com uma perfeita integração dos ministros do Trabalho e do Desenvolvimento.
2) Problemas a resolver. Mesmo a criação de um superministério não resolveria, por si só, a travessia do modelo monetarista para o desenvolvimentista. Seria preciso fazer as reformas que se arrastam desde 1988, quando se promulgou uma Carta inadequada para o mundo que surgia. A reforma política (com voto distrital misto, fidelidade partidária, nova lei eleitoral e posteriormente, quem sabe, adoção do parlamentarismo) parece imprescindível para o melhoramento do Congresso.
A segunda reforma da Previdência terá de nascer de um gesto de coragem do governo. Até supostos direitos, discutíveis na Justiça suprema, teriam de ser atropelados em nome da moral, da ética e, mais grave, da necessidade, pois em breve não haverá como honrá-los, sob pena de o país falir definitivamente.
É óbvio que nenhum PIB menor que R$ 1 trilhão, como o nosso, pode conviver com um déficit previdenciário de quase R$ 50 bilhões, dos quais mais de R$ 40 bilhões no setor público (União, Estados e municípios). A reforma tributária e fiscal (com o fim dos impostos em cascata e a desoneração da produção) é imprescindível para que as empresas possam crescer e competir. Enquanto ela não vem, é preciso que, como os empregados, os empregadores recebam medidas compensatórias, que os auxiliem a sobreviver na recessão.
A própria reforma sindical não poderá ser adiada. Interessa ao país não só a flexibilização das relações trabalhistas, com ênfase na negociação entre patrões e empregados e no fim do poder normativo da Justiça do Trabalho, mas mudar o modelo de sustentação dos sindicatos, federações e confederações.
Essas são as idéias, de execução nada fácil. Elas não interessam a certos políticos, principalmente aos que desejam encastelar-se em agências públicas ordenadoras de gastos para pavimentar seu caminho para a sucessão presidencial de 2002. Como nos últimos tempos os interesses políticos têm sobrepujado os da sociedade, a única forma de caminharmos numa nova direção será nosso presidente assumir um gesto forte (sem ofender, é claro, a democracia) e enfrentar com vigor os interesses obscuros de quem disputa sua sucessão usando meios pouco éticos. Missão difícil, sem dúvida, mas não impossível.


Luiz Fernando Emediato, 47, jornalista e editor, é membro do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) e do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS).




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