São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 2004

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EM NOME DA VIDA

Num ataque sem precedentes à indústria farmacêutica mundial, o Vaticano acusou os grandes laboratórios internacionais de promoverem um "genocídio" ao impedir, na prática, que muitos pacientes de Aids de países pobres tenham acesso aos medicamentos que permitem controlar a moléstia. Nas palavras do padre Angelo D'Agostino, que alia a condição de jesuíta à de médico, a ação dos cartéis das empresas farmacêuticas, que se negam a tornar acessível o preço dos remédios, tendo auferido lucros, em 2002, de US$ 517 bilhões, "é genocida".
Embora a acusação venha num tom de arroubo retórico, a Santa Sé está certa em pressionar a indústria farmacêutica. Não há dúvida de que laboratórios, até para efeitos de imagem no Primeiro Mundo, poderiam desenvolver uma política mais flexível para os impactos da Aids no Terceiro Mundo, em especial na África.
Os números consolidados do continente são aterradores. A África subsaariana abriga entre 25 milhões e 28 milhões de portadores do HIV. Dos 3 milhões de óbitos mundiais registrados em 2003, 2,3 milhões ocorreram na região. Vale observar que os laboratórios relutam em baixar o preço das drogas para a África por temer que os remédios mais baratos sejam contrabandeados e depois revendidos na Europa e nos EUA.
Estão, assim, corretas e são bem-vindas as críticas da Igreja Católica aos laboratórios. A guerra contra a Aids, porém, se trava em dois campos: tratamento e prevenção. E, no que diz respeito à prevenção, as posições defendidas por Roma, notadamente a condenação do uso de preservativos, são indefensáveis. O Vaticano poderia auxiliar de forma mais direta as populações de países pobres se aceitasse que, ao menos "in extremis", o preservativo é uma alternativa legítima, como, aliás, já defendem alguns sacerdotes.


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