São Paulo, quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

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O fato consumou-se

A lógica dos lobbies de gabinete tem de dar lugar à do interesse público no debate acerca das regras da telefonia

EM SETEMBRO do ano passado, quando afloravam as primeiras especulações acerca de uma grande fusão nas telecomunicações brasileiras -algo vedado pelas normas do modelo vigente-, o editorial "Teletrama", aqui publicado, já prenunciava o óbvio desfecho dessa história.
"É plausível supor que esteja em curso a velha tática do fato consumado: desse emaranhado de transações financeiras, de repente as duas telefônicas brasileiras podem emergir fundidas. E o Planalto está ansioso para modificar a legislação que proíbe tais operações". Passados cinco meses, o fato consumou-se.
Controladores da Oi (antiga Telemar, concessionária de linhas fixas no Nordeste, no Norte e no Sudeste, à exceção de São Paulo) e da Brasil Telecom (que atua no Sul, no Centro-Oeste e em Rondônia, Tocantins e Acre) informaram ao governo ter chegado a um acordo para a compra da segunda pela primeira.
O Executivo bem que tentou agir depressa. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, prometeu que instaria a Anatel a abrir de imediato um processo para mudar o decreto que proíbe um grupo de operar em mais de uma área de concessão. Mas ontem o ministro recuou e vai esperar a publicação do comunicado oficial pelas duas empresas.
Quando for provocada, a Anatel vai abrir um procedimento técnico interno e uma consulta pública sobre o tema, e seu resultado será devolvido ao governo na forma de sugestão de reformas no chamado Plano Geral de Outorgas -ou de manutenção da regra vigente.
É notório que o processo nasce viciado e que a última preocupação das autoridades e dos interessados no negócio é com o consumidor e a concorrência. Subverteu-se a ordem das coisas: primeiro deveria haver uma discussão acerca da necessidade ou não de reformas nas regras da concessão de serviços telefônicos. Caso se chegasse a um consenso sobre uma nova legislação, ela então deveria ser implantada e, apenas depois disso, os rearranjos empresariais ocorreriam.
Do modo como a trama foi armada, não há dúvida de que, nos bastidores de uma transação estimada em R$ 8 bilhões, o aval do governo à compra da BrT pela Oi já foi concedido. Não bastasse o poder dos lobbies empresariais envolvidos, grandes fundos de pensão de estatais, controlados por militantes petistas, são interessados na operação, pois têm participação acionária nas duas empresas. De quebra, o governo promete resolver uma série de pendências de outras operadoras e com isso escancara o ânimo casuísta de sua intervenção.
Resta exigir da Anatel uma mudança no tratamento do assunto. A truculenta lógica dos lobbies empresariais e sindicais, na sombra dos gabinetes, tem de dar lugar à do interesse público. É dos defensores da alteração no "statu quo" o ônus de provar, com argumentos e estudos, por que um modelo responsável por tirar a telefonia do país da idade da pedra precisa ser modificado.
Até agora nenhuma idéia ventilada por agitadores da mudança foi convincente. Nenhuma dissolveu o temor de que o consumidor é quem vai arcar com o custo dessa aventura.


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