São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 2010

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Hora do aperto


Governo acerta ao eliminar incentivos fiscais, mas deveria cortar gastos para facilitar o crescimento do país


VAI NA DIREÇÃO correta a decisão do governo, anunciada nesta semana, de desativar os estímulos fiscais para a produção e venda de automóveis e eletrodomésticos, criados no ano passado como socorro ao setor produtivo diante da crise econômica mundial. Há algum tempo acumulam-se evidências de que os incentivos já cumpriram seu papel, sendo claros os sinais de que a economia doméstica entrou em processo de recuperação.
Uma política econômica efetivamente compatível com os objetivos de crescimento e desenvolvimento do país, entretanto, teria que evoluir no sentido de aprofundar o esforço fiscal do setor público, especialmente no que diz respeito à contenção de despesas na esfera federal.
Em 2009, enquanto as receitas do governo central cresceram menos que 5%, as despesas aumentaram em ritmo três vezes maior. Embora um aumento do dispêndio público seja até desejável num cenário de crise, o crescimento dos gastos se concentrou nas despesas com o funcionalismo, cuja capacidade de atenuar os efeitos da retração econômica é notoriamente reduzida. Trata-se, ademais, de gastos de caráter permanente, que reduzem o raio de manobra futuro.
O governo até logrou cumprir em 2009 a meta de superavit primário -que corresponde à parcela das receitas poupada para saldar os juros e o principal da dívida pública. Foi entretanto um cumprimento formal, alcançado pelo uso de artifícios que mal escondem a deterioração do perfil das contas públicas.
As despesas foram contabilmente reduzidas pelo abatimento de gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), possibilidade prevista em lei, enquanto as receitas foram incrementadas pela transferência de depósitos judiciais ao Tesouro Nacional e pela antecipação de dividendos da Eletrobrás.
Essa forma de condução dos gastos públicos vai na direção contrária à das necessidades do país. A economia entra num ciclo de crescimento, normalmente acompanhado por pressões inflacionárias, que somente podem ser atenuadas se a capacidade produtiva crescer em ritmo compatível como o aumento do consumo.
Nesse contexto, o excesso de gastos públicos é particularmente danoso, pois toma espaço, na demanda do conjunto da economia, que deveria ser ocupado por despesas de investimento aptas a ampliar a capacidade de oferta do sistema econômico.
A atual estratégia do governo para conter a inflação está excessivamente centrada na política de juros, cujo efeito acaba sendo o de limitar o crescimento e barrar a ampliação da capacidade produtiva. A contenção da despesa pública, embora pouco provável num ano eleitoral, seria essencial para dar coerência a uma política econômica hoje marcada por contradições injustificáveis.

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