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TENDÊNCIAS/DEBATES
O orgulho ferido de Chávez
LUIS PARDO SAÍNZ
Esperamos que esse novo golpe à liberdade de expressão na Venezuela consiga comover os líderes
democráticos da região
QUANDO O presidente Hugo
Chávez fechou de forma arbitrária a Rádio Caracas Televisão (RCTV), em maio de 2007, estava
enviando uma mensagem inequívoca
a todos os meios de comunicação venezuelanos: não há lei nem direitos
constitucionais que valham para
aqueles que não se subordinam ao
discurso oficial.
A lei venezuelana estabelece claramente que, não havendo sentença judicial executada contra um concessionário, este tem direito à renovação
automática de sua concessão.
A RCTV, mais antiga televisão venezuelana e líder em audiência, não
tinha sentença ou processo aberto
contra si. Apenas acusações de "golpismo" proferidas por Chávez, sem
fundamento nem prova, que serviram
de pretexto para não renovar a concessão da emissora.
Simultaneamente, em uma ação
igualmente arbitrária, o governo ocupou militarmente suas unidades
transmissoras e se apropriou ilegalmente de suas instalações e equipamentos, o que acontece até hoje.
Minutos depois daquele fatídico 27
de maio de 2007, pelo Canal 2 -que
até então e por meio século levava a
milhões de venezuelanos a programação da RCTV-, começou a transmitir-se o sinal oficial do governo chavista, anunciado com fanfarra. Porém, para vergonha de seu principal
promotor e incentivador, sua audiência nunca superou 2%.
De sua parte, a Rádio Caracas TV,
privada de seu direito de seguir transmitindo como televisão aberta, iniciou transmissões por cabo, como canal internacional, gerando um aumento exponencial, sem antecedentes, das conexões domiciliares no
país. Com isso, a emissora voltou a
ocupar os primeiros lugares da audiência venezuelana.
Toda a verborragia, todos os mitos e
os slogans bolivarianos depararam-se
contra uma realidade inabalável: os
venezuelanos desprezaram o canal
oficial e até as populações mais humildes buscaram acesso a conexões a
cabo para ver seu canal preferido. (O
livre arbítrio de cada indivíduo, chave
na construção das sociedades mais
desenvolvidas.)
Por isso, era previsível que o orgulho "revolucionário" ferido buscasse
uma forma de matar, pela segunda
vez e de forma simultânea, um incômodo canal de expressão para seu
projeto totalitário e, pela mesma razão, a teimosa capacidade do cidadão
de fazer escolhas por si mesmo.
Assim, o governo criou uma nova
classificação para os sinais internacionais e locais, à margem da lei vigente, impondo novas regras aos canais de cabo nacionais, como a transmissão das criticadas cadeias obrigatórias às quais diariamente são submetidos os meios de comunicação e
os cidadãos venezuelanos.
De nada serviu à RCTV ter adequado imediatamente sua programação
para continuar a ser considerada um
canal internacional. Sem processo judicial, ordenou-se a retirada do sinal
de todas as operadoras de cabo venezuelanas que deixaram de transmitir
mensagem em cadeia presidencial.
A nova normativa tem nome e sobrenome evidentes. Esse novo atentado contra a liberdade de expressão
se verifica no momento em que se
mantêm ameaçadas de cancelamento
de concessão centenas de emissoras
de rádio por suspeita de irregularidades administrativas, depois de ter fechado 30 delas, e em meio à feroz perseguição contra o canal independente
Globovisión e seus executivos.
Tudo isso faz parte do cenário "institucional" no qual Hugo Chávez se
prepara para as eleições legislativas
de setembro, com sua popularidade
despencando pelos estragos de uma
administração desastrosa, apesar de
sua permanente tentativa de controlar a opinião pública.
A resistência do governo bolivariano em autorizar a visita ao país da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, para conhecer in loco as
gravíssimas violações à liberdade de
expressão e aos direitos fundamentais, amplamente denunciadas na Venezuela, evidencia a falta de vontade
para fazer do sistema interamericano
um instrumento efetivo de promoção
e fortalecimento da democracia.
Esperamos que esse novo golpe à liberdade de expressão, com suas ilegalidades e inconstitucionalidades implícitas, consiga comover os líderes e
governos democráticos da região.
LUIS PARDO SAÍNZ, 48, administrador de empresas, é
presidente da Associação de Radiodifusores do Chile e da
Associação Internacional de Radiodifusão, entidade que
representa 17 mil emissoras de rádio e televisão nas Américas, na Ásia e na Europa.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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