São Paulo, quarta-feira, 31 de março de 2004

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40 ANOS DEPOIS

Se há algo a comemorar no aniversário de 40 anos do golpe de 31 de março de 1964 é justamente o fato de podermos afirmar que o ciclo militar se encontra hoje encerrado num passado histórico. Se suas repercussões ainda se fazem sentir e se há facetas a merecer esclarecimentos, não há dúvida de que o fantasma da ditadura militar já não mais assombra a vida nacional.
O movimento ocorreu num quadro de forte radicalização da política nacional e internacional, sob o signo da Guerra Fria. Impulsionada pela expansão do império soviético, pelo recrudescimento de lutas de libertação nacional e pela revolução cubana, de 1959, a esquerda brasileira via-se no início da década de 60 na iminência de chegar ao poder. Essa perspectiva tornou-se mais palpável com a restituição dos poderes presidencialistas ao trabalhista João Goulart, em 1963.
Ameaçada e em dificuldades para organizar uma alternativa política própria, capaz de barrar as pretensões da esquerda, parte da elite do país apoiou e se associou ao que considerava a saída possível: uma conspiração militar. Tendo à frente o marechal Humberto de Alencar Castello Branco, as Forças Armadas assumiram o comando do país prometendo uma breve intervenção. Não foi, como se sabe, o que aconteceu.
Hoje, o Brasil que volta suas atenções para aqueles anos de arbítrio é uma sociedade organizada em torno de um regime de liberdades. Vigora o Estado de Direito, realizam-se eleições, a imprensa encontra as condições para exercer seu papel e o pensamento e a cultura livraram-se das amarras da censura.
Foi tortuoso e acidentado o caminho para que se alcançassem esses valiosos objetivos. O declínio militar coincidiu e foi precipitado por uma aguda crise econômica. O modelo de desenvolvimento organizado pelo regime ruiu sob os efeitos de choques internacionais e de um dramático quadro de endividamento.
Ao longo da década de 1980, o país viveu a frustração das reivindicações por eleições diretas e passou por um conturbado período de transição, marcado, no plano político, por agudos conflitos em torno da organização do novo arcabouço institucional e, no econômico, por desequilíbrio fiscal, estrangulamento externo, baixo crescimento e alta inflação.
A eleição pelo voto direto do primeiro presidente civil coincidiu com uma profunda mudança no cenário internacional. Ao mesmo tempo em que Fernando Collor de Mello saía vitorioso das urnas, era derrubado o Muro de Berlim e esfacelava-se o bloco socialista organizado em torno da antiga União Soviética. Encerrava-se a era Guerra Fria e inaugurava-se uma nova ordem internacional, na qual prosperaria a lógica da globalização e da liberalização econômica.
Hoje, salta aos olhos que as fundamentais conquistas democráticas obtidas nas últimas décadas ainda dependem para sua plena realização de que parcelas inteiras da população possam emergir da linha de pobreza. No Brasil democrático, cidadãos pobres continuam subsistindo sem acesso satisfatório à saúde, à educação, ao emprego e à Justiça. Por vezes empurrados para a marginalidade, são presos e torturados em porões em tudo semelhantes aos que se utilizavam nos anos de chumbo do regime ditatorial.
É esse o enorme desafio que se apresenta ao Brasil em seu caminho para se tornar uma nação mais digna e civilizada: promover o crescimento, reduzir as desigualdades e permitir que os seus filhos desfrutem dos benefícios do desenvolvimento e dos direitos da cidadania.


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