São Paulo, quarta-feira, 31 de março de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Forças Armadas e plenitude democrática

JOSÉ VIEGAS FILHO

É conveniente fazermos uma reflexão sobre o papel que as Forças Armadas vêm desempenhando, na atual etapa do desenvolvimento do nosso país, como instituições do Estado democrático.
Não se trata de refletir sobre sua missão constitucional, que está plenamente definida no artigo 142 da Carta Magna. Graças, inclusive, à segurança que elas nos proporcionam, o nosso país vive há mais de cem anos sem nenhum conflito com seus vizinhos, o que possibilita que a integração sul-americana seja cada vez mais consistente.
O entendimento da necessidade de manter Forças Armadas fortes, preparadas e coesas, que respaldem e ajudem a projetar o Brasil no cenário internacional, é nítido. A sociedade brasileira está plenamente convencida do relevante papel que as nossas Forças Armadas desempenham na manutenção da soberania e da integridade territorial -que, devemos ter sempre em mente, são as tarefas principais da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
A nossa reflexão dirige-se ao trabalho contínuo com que as Forças Armadas vêm contribuindo para o esforço de resgate da imensa dívida social do país e como se inserem na plenitude democrática que felizmente vivemos e que é axioma definitivo para a sociedade brasileira.


As Forças Armadas revelaram-se prontas e maduras para o pleno respeito a seus deveres constitucionais


Anualmente, cerca de 80 mil jovens ingressam na Marinha, Exército ou Aeronáutica para a prestação do serviço militar inicial. Na caserna, esses jovens, paralelamente à formação profissional, desenvolvem noções de civismo e se aperfeiçoam física e culturalmente, de forma a melhor enfrentar a vida competitiva no mundo civil. Hoje, graças ao Projeto Soldado Cidadão, muitos ganham uma profissão, aptos ao enfrentamento do mercado de trabalho. E são os sargentos, os jovens tenentes e os capitães os grandes artífices desse processo de modelagem do novo cidadão.
É verdade que as Forças Armadas estão carentes de equipamentos e recursos que lhes permitam executar todas as tarefas que lhes são afetas, mas o governo e a sociedade brasileira têm testemunhado a presteza e a eficiência com que cumprem as missões subsidiárias que lhes são confiadas.
Assim é quando os navios de assistência hospitalar da Marinha singram os rios da Amazônia, levando à população ribeirinha, ano após ano, a única forma de contato eficaz com médico, dentista, aparelhos e fármacos da medicina moderna. Assim foi quando do incêndio nos campos e matas de Roraima, debelado graças ao emprego de mais de mil militares e equipamentos diversos, como helicópteros da Aeronáutica e do Exército.
Em muitas cidades, como São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga, os hospitais da força terrestre prestam assistência médica e odontológica a toda a população, em grande parte composta de comunidades indígenas. Nas fronteiras, os pelotões do Exército constituem a presença do Estado; o médico e o dentista militares prestam apoio indistintamente a todos e a esposa do militar é a professora da escola comunitária.
Na promoção do desenvolvimento científico e tecnológico, basta referir o programa nuclear da Marinha, o Instituto Militar de Engenharia, o Programa Espacial Brasileiro e os triunfos do Centro Técnico Aeroespacial, berço da Embraer, motivos de orgulho para nós brasileiros.
Vejo, como ministro, na prática do exercício de minha função, que as Forças Armadas são um extraordinário veículo de integração nacional, instituições implantadas em todo o território brasileiro, presentes nos lugares mais remotos do sertão ou da Amazônia, desvinculadas de qualquer interesse particular ou especial, preservadas da corrupção e cujo patriotismo é por todos reconhecido. A nação brasileira tem confiança nas suas Forças Armadas. Sabe que elas são leais à institucionalidade democrática e ao poder eleito pelo povo e absolutamente coerentes com os melhores propósitos da nação como um todo. Estão decisivamente comprometidas com o Estado de Direito, no estrito cumprimento de sua missão constitucional.
Se algum anseio eu percebo na nossa atualidade militar, alguma motivação não satisfeita, são o anseio por renovar o nosso desgastado equipamento e a motivação de aumentar, assim, a nossa capacidade de ação em benefício da nação brasileira.
É de justiça reconhecer e enaltecer de público o rigor democrático com que essa vinculação constitucional tem sido respeitada. Na história de nossa retomada democrática, uma história que tem na anistia um importante marco, as Forças Armadas revelaram-se prontas e maduras para uma perfeita integração e para o pleno respeito a seus deveres constitucionais.
Em um plano amplo, entendo ser preciso encontrar o ponto de equilíbrio entre, de um lado, a conveniência para o país de não fazer sangrar feridas do passado e, de outro, a necessidade de manter viva a memória de fatos que nenhum de nós -e aqui falo também pelas Forças Armadas- deseja que se repitam. Por essa razão, é necessário que deixemos de lado ressentimentos e nos unamos, todos, na construção de um país mais justo, no qual o papel das Forças Armadas é, certamente, dos mais relevantes.

José Viegas Filho, 61, diplomata, é o ministro da Defesa. Foi embaixador do Brasil em Copenhague (1995-98), Lima (1998-2001), e Moscou (2001-2002).


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