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TENDÊNCIAS/DEBATES
É positiva a decisão do TSE que estabelece
ser do partido o mandato de deputado?
NÃO
A reforma judicial da política
RICARDO PENTEADO
HÁ MAIS de 20 anos, o STF reconheceu que o mandato eletivo pertence ao candidato
eleito, a quem a soberania do voto outorgou a representação popular.
Desde então, é pacífico que o estabelecimento da fidelidade partidária
pela transferência da titularidade do
mandato do parlamentar eleito para o
partido dependeria de reforma constitucional, até porque não se pode cogitar de perda de mandato sem expressa e objetiva tipificação legal.
Ao que parece, contudo, a maioria
dos ministros do TSE, agastada com a
fisiológica dança das cadeiras do início das legislaturas, atalhou a reforma
política que caminhava a passos de
cágado no Legislativo e fez o que o
próprio STF proclamara como impossível de ser feito: declarou que os
mandatos não pertencem (mais) aos
eleitos, mas sim aos partidos que
abrigaram os candidatos.
De supetão, após mais de 20 anos
de infidelidade consentida pela legislação, o TSE fez o que a opinião pública parece festejar hoje como o "pontapé inicial" da reforma política.
A aflição pelo aperfeiçoamento do
sistema eleitoral está nos levando, entretanto, à subversão dos papéis das
nossas instituições e poderá resultar
em um grave retrocesso no desenvolvimento de nossa democracia juvenil.
A subversão advém do fato de que
não cabe ao Judiciário promover reforma política. A fidelidade partidária
não é uma idéia que deve ser adotada
por um decreto isolado, como se fosse
uma finalidade em si mesma, e sua
instituição depende de um sistema legal complexo e coerente, baseado na
valorização do sistema partidário nacional, instituído num contexto de reformas que vai muito mais longe.
O retrocesso poderá advir de uma
indesejada queda-de-braço entre os
Poderes em conflito e resultar em
uma reação legislativa simetricamente oposta, cuja preocupação será só
preservar a competência que foi antes
usurpada -o que pode parecer mais
urgente do que a reforma política
propriamente dita. Não custa recordar, foi assim com a "verticalização".
O estabelecimento da "fidelidade
partidária" por regra não escrita, produto de uma dedução nunca antes reconhecida, não só cria a equivocada
impressão de que a solução dos males
políticos é judicial como implica a paradoxal sensação de que o STF, a mais
alta corte do país, não sabe o que diz.
Não cabia ao TSE responder a uma
consulta a respeito de matéria que jamais será objeto de sua jurisdição nos
casos concretos, pois, no que concerne aos mandatos eletivos e sua eventual perda decretada pela mesa da Casa legislativa, só a Justiça comum ou o
próprio STF têm competência para
decidir o conflito respectivo.
É um equívoco, ademais, justificar
a decisão do TSE sob a alegação de
que o eleitor dá seu voto aos partidos
políticos, e não aos candidatos. Hábeis operações aritméticas vêm sendo
feitas para tentar demonstrar que
apenas algumas dezenas, entre as
centenas de parlamentares, teriam
atingido pessoalmente o coeficiente
eleitoral, provando-se, assim, que a
grossa maioria dos deputados teria
galgado o poder pela votação partidária, e não pela votação nominal.
Isso não é verdade. A maioria dos
eleitos foi levada ao Congresso pelo
excedente da votação nominal obtida
pelos grandes "puxadores de votos", e
não pelos votos ideológicos atribuídos às legendas. Quem se lembra da
fenomenal votação obtida pelo deputado Enéas bem sabe que os milhões
de eleitores que elegeram outros deputados obscuros não foram atraídos
pela ideologia do PRONA, mas pelo
excêntrico carisma do líder da chapa.
A verdade é que, para o bem ou para
o mal, o eleitor nada quer com os partidos políticos, e sua identificação
tem sido travada com o candidato,
por meio do voto nominal. Convém
recordar, aliás, que a própria Justiça
Eleitoral costuma sugerir, na sua propaganda institucional, que o eleitor
deve conhecer melhor o candidato,
jamais fazendo referência aos partidos como objeto de análise crítica.
Defender a fidelidade partidária é
tarefa tão fácil quanto a de defender a
água encanada ou a luz elétrica. Difícil mesmo é vê-la legitimada e delimitada por uma lei aprovada pelo Congresso Nacional, a única instituição
autorizada a legislar a esse respeito.
RICARDO PENTEADO, 45, advogado especialista em direito eleitoral, é presidente do IDPE (Instituto de Direito Político e Eleitoral), membro da Comissão de Direito Eleitoral do Iasp e autor do livro "Manual das Eleições".
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