São Paulo, sábado, 31 de março de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É positiva a decisão do TSE que estabelece ser do partido o mandato de deputado?

SIM

Mais um passo na direção correta

ROGÉRIO SCHMITT

NÃO PRETENDO debater o mérito jurídico ou constitucional da recente interpretação feita pelo TSE de que os mandatos dos deputados e vereadores pertencem aos partidos pelos quais foram eleitos, e não aos parlamentares. Também não sou capaz de avaliar se decisões judiciais dessa magnitude caracterizam uma indevida intromissão do Judiciário sobre as prerrogativas do Legislativo ou se contribuem para gerar insegurança jurídica no país.
Mas não resta dúvida de que a decisão do TSE pode ser considerada um passo na direção correta. Ela cria um forte incentivo para a redução do troca-troca partidário, que é uma das mais graves distorções do sistema político brasileiro.
A propósito, a avaliação do TSE de que os deputados e vereadores são eleitos não graças aos seus próprios votos, mas sim aos de seus partidos, é inteiramente correta do ponto de vista da fórmula matemática de apuração num sistema de eleições proporcionais baseadas na lista aberta.
Ainda que o troca-troca partidário tenha se reduzido no atual Congresso, o Brasil continua sendo o recordista mundial de infidelidade dos parlamentares aos seus partidos. Nas quatro legislaturas anteriores, a proporção média de deputados federais que mudaram de legenda ao longo do mandato vem superando um terço do número total de parlamentares.
Historicamente falando, navegamos de um extremo ao outro nesse quesito nas últimas duas décadas.
Durante o regime militar, a fidelidade partidária era uma imposição legal, e os deputados eram simplesmente proibidos de mudar de partido. Essa prática tinha um nítido caráter autoritário. A regra nos países democráticos é não haver regras que imponham a fidelidade partidária.
Com a redemocratização, a questão foi totalmente desregulamentada. Pela primeira vez na nossa história, os partidos políticos tornaram-se organizações de direito privado. Na verdade, a legislação em vigor apenas transferiu para os próprios partidos a tarefa de definir suas regras internas de fidelidade. A verdade é que a maioria deles simplesmente nunca o fez. A infidelidade partidária atingiu níveis sem paralelo em outros países democráticos. Os partidos saem das urnas com um tamanho, mas se apresentam na eleição seguinte com um tamanho diferente, em nítido desrespeito ao ordenamento feito pelos eleitores.
Claramente, medidas que incentivem a fidelidade partidária são mais que necessárias. Naturalmente, desde que não signifiquem a imposição de uma arbitrária camisa-de-força legal que inviabilize a mudança de partido em casos extremos. Felizmente, essa tem sido exatamente a trajetória observada nos últimos tempos.
A Câmara dos Deputados recentemente aprovou uma alteração do seu regimento interno que modificou o critério para o cálculo do número de representantes de cada partido nas comissões permanentes da Casa. A regra passou a ser a bancada eleita por cada legenda, e não mais a bancada na data da posse da legislatura. Um projeto semelhante também está tramitando no Senado Federal.
O próprio TSE havia baixado uma resolução no ano passado pela qual a divisão do tempo de propaganda partidária nos meios de comunicação também passou a levar em conta só as bancadas eleitas por cada legenda.
Portanto, a decisão anunciada nesta semana é somente mais um passo num lento processo de aperfeiçoamento das regras existentes. Nada que signifique um retorno a um passado de autoritarismo, mas um avanço em relação à virtual anarquia atualmente existente.
A rigor, como não tem força de lei, a decisão do TSE sequer imporá a perda obrigatória de mandato para todos os parlamentares que mudaram de partido. Na prática, a medida provavelmente só terá validade se o partido prejudicado apelar à Mesa Diretora da respectiva Casa legislativa ou, então, à Justiça Eleitoral.
No mínimo, este será um excelente experimento para avaliar a real importância que os partidos atribuem aos votos de seus eleitores.


ROGÉRIO SCHMITT, 38, doutor em ciência política pelo Iuperj, é analista político sênior da Tendências Consultoria Integrada.

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