São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2008

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A crise nas urnas

Discurso conservador do republicano McCain, nos EUA, pode encontrar eco numa sociedade individualista e punitiva

A EXPECTATIVA até o fim de 2007 era a de que o tema predominante na campanha presidencial americana seria a ocupação do Iraque. A partir dessa hipótese e da constatação de que pelo menos dois terços dos eleitores rechaçavam a política do presidente George W. Bush nesse aspecto, formou-se opinião quase consensual de que o candidato do partido de oposição, o Democrata, seria o favorito.
Dentre os aspirantes do Partido Republicano, do governo, um parecia com chances quase nulas, por ter sempre apoiado o presidente nesse tema: o senador John McCain.
No entanto, a diminuição da violência no Iraque desde dezembro e a emergência de problemas econômicos gravíssimos e imediatos nos EUA alteraram muito essa lógica. A preocupação principal dos eleitores agora é o que acontecerá com seu bolso, em decorrência da crise das hipotecas de alto risco e das dificuldades no setor de crédito.
McCain, que já assegurou a indicação como o candidato do Partido Republicano, nunca foi um "expert" em economia. Mas, ao reafirmar com vigor princípios muito conservadores sobre como lidar com os dilemas atuais, pode ganhar espaço.
Desde a eleição de Richard Nixon, em 1968, e em particular após a de Ronald Reagan, em 1980, a maioria dos eleitores nos EUA tem demonstrado clara preferência pela ortodoxia capitalista, em especial no que se refere ao papel mínimo do Estado no campo econômico.
Teses de intervenção estatal dominantes entre o "New Deal" de Franklin Roosevelt e a "Grande Sociedade" de Lyndon Johnson foram batidas na urna quando defendidas por candidatos como George McGovern, Walter Mondale e Michael Dukakis.
Os democratas só reconquistaram a Casa Branca com o discurso muito mais conservador de Bill Clinton, que na Presidência equilibrou o orçamento e desmontou grande parte do aparelho assistencialista do Estado legado por Roosevelt e Johnson. Neste ano, os dois aspirantes à candidatura democrata, Hillary Clinton e Barack Obama, prometem ajuda estatal de grande porte para resolver as aflições dos cidadãos assoberbados pela crise.
Mas McCain tem afirmado que "não é dever do governo salvar ou recompensar aqueles que agem irresponsavelmente, sejam grandes bancos ou os que fazem pequenos empréstimos".
Ele argumenta que 55 milhões de americanos têm hipotecas e apenas 4 milhões deles não conseguem honrar seus compromissos, porque "compraram casas que não podiam pagar, apostando que os preços ascendentes facilitariam refinanciamentos mais vantajosos no futuro".
Clinton e Obama dizem que tal discurso é irresponsável e pouco solidário. Mas ele pode encontrar ressonância numa sociedade individualista, conservadora e punitiva, onde a maioria acha que cada um responde pelos riscos que resolve correr e o Estado não tem nada a ver com isso.


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