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RUY CASTRO
Olhos de Armando
RIO DE JANEIRO - Ano após ano,
aos domingos, Armando Nogueira
viu Zizinho, Ademir, Heleno, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Pelé,
Tostão, Gerson, Zico e outros gigantes desfilarem sua ciência e arte
nas tardes do Maracanã. Mas, ao escrever sobre futebol nos anos 60 e
70, em inúmeras crônicas ele teve
olhos também para os garotos que
jogavam pelada em sua rua, antes
que os carros tomassem conta.
"Bendito o bairro em que os meninos ainda podem jogar futebol
pelas calçadas", ele escreveu. "As
ruas amenas de Ipanema estão
sempre cheias de meninos a chutar
bolas. Hoje, de manhã, mesmo, passei por dois garotinhos, um de seis
anos, outro de três, no máximo: o
maior ensinava pacientemente o
menor a chutar com o peito do pé".
O crítico severo quanto à aplicação tática dos profissionais se encantava com a anarquia dos rachas:
"São 20, 30 de cada lado, todos abaixo de 10 anos, ardendo na pelada
que nunca tem hora para acabar". E
que só acabava quando uma vizinha
rabugenta confiscava a bola que caíra em seu quintal.
Ou como no dia em que um velho,
"com cara de guarda-livros", entrou
batendo palmas na pracinha onde
se dava a pelada e espavoriu a turba:
"O espantalho-gente pega a bola, viva ainda, tira do bolso um canivete e
dá-lhe a primeira espetada. No segundo golpe, a bola começa a sangrar. Em cada gomo, o coração de
uma criança".
Em outra bela crônica, Armando
fala do homem de terno e gravata
que passa por uma pelada a caminho do escritório e vê uma bola que
rola à feição. Vai devolvê-la com seu
sapato social. O chute pega na veia,
perfeito, a bola penetra entre os
dois montinhos de camisas que, a
50 metros, simulam as traves. A garotada aplaude. Pode haver coisa
melhor? Só Armando Nogueira para enxergar esses pequenos enormes prazeres.
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