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CARLOS HEITOR CONY
A última visita
RIO DE JANEIRO - Estava melhor, tão melhor que telefonou a ele, pedindo
que fosse vê-la. Lutando contra a
doença, ela dizia que teria alta em
breve, queria marcar uma viagem,
repetir, tanto tempo depois, o roteiro
que haviam feito com o deslumbramento do amor recente: Roma, Florença, Veneza, Verona, Milão, Paris
e Lisboa.
Muitas águas e luas haviam passado, fizeram outras viagens, separaram-se, ela adoecera e agora queria
reviver aquelas cidades nos mesmos
hotéis, frequentando os mesmos restaurantes, a Taberna Ulpia, em Roma ela nem sabia que a taberna fora
fechada pela polícia, ali se consumia
cocaína. Inocentemente eles foram
lá, tão atentos em si mesmos que nem
repararam, dançaram o samba do
Orfeu na pista, os outros perceberam
que dançavam bem, deixaram a pista livre, depois aplaudiram.
Tudo ficara para trás, nem lembranças boas eram, a realidade apagara uma parte, destacara outra e ela
ficara doente e agora exigia que fosse
vê-la, já fizera as reservas na mesma
agência, mandara a irmã pagar a entrada, depois discutiriam o resto.
Ele foi. Achou-a magnífica, como
nos melhores tempos. A lucidez formidável dos que dizem adeus. Ficou
surpreso, não sabia dos planos dela,
como dizer que tudo aquilo seria impossível?
Nisso, entrou a enfermeira no quarto. Só então ele reparou que, na banqueta da parede maior, havia vidrinhos de remédio, uma minifarmácia
para as emergências. A enfermeira
percebeu que ele se assustou e olhou-o. Olhou-o de tal forma que ele compreendeu.
Então, disse que sim, toparia aquilo
tudo, a viagem, o roteiro, a vida. Vida que ela insistia em viver. Dois dias
depois, ele remexia em velhos papéis,
recordações de Veneza, Florença e
Verona, as duas entradas para os Uffizi, a conta do Dodici Apostoli, de
Verona, o perfumado "risotto al funghi del bosco". O telefone tocou. A irmã avisou: tudo acabara para ela. Só
não sabia que acabara também para
ele.
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