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TENDÊNCIAS/DEBATES
O PT deve punir seus membros "radicais"?
NÃO
Fidelidade e disciplina partidárias
RAMEZ TEBET
A crise que se desenvolve nas hostes petistas, a partir da divergência
provocada pelo chamado grupo rebelde, abre uma interessante discussão no
quadro partidário a respeito de dois
conceitos que não estão sendo suficientemente clarificados: a fidelidade e a disciplina partidárias.
A essa altura, já não é possível esconder o temor de que os partidos, por conveniência tática, passem a adotar a mesma postura que vem sendo defendida
pela cúpula dirigente do PT no sentido
de punir parlamentares que discordam
de pontos inseridos na proposta do governo para a reforma previdenciária. Se
isso efetivamente ocorrer, conforme já
ameaçam lideranças de partidos que integram a base situacionista, cairemos
no buraco negro dos expurgos, aberto
pela mordaça que se quer colocar na livre expressão parlamentar.
Uma análise rigorosa do estatuto da
fidelidade partidária aponta para sua
estreita relação com as idas e vindas de
parlamentares, fato gerador da pasteurização e da banalização da vida partidária. Ou seja, a fidelidade partidária se
faz necessária para a moralização das
práticas políticas, quando exige que um
parlamentar, eleito por uma determinada sigla, nela permaneça pelo tempo de
duração do mandato. Para evitar o engessamento dos eleitos no partido, até
se admite sua saída da legenda seis meses antes do próximo pleito.
Não é o caso de fidelidade partidária
que atinge o chamado grupo rebelde do
PT. A ele se atribui o "pecado" da indisciplina partidária.
Ocorre que indisciplina partidária,
quando existe, aplica-se às diretrizes
programáticas, ou seja, ao escopo doutrinário dos partidos. Seria infiel, sujeito
à punição, o parlamentar que decide
transgredir a pregação de um partido,
com os programas e linhas de pensamento defendidos perante o eleitorado
e aprovados em convenção. O que estamos presenciando, na polêmica que divide os quadros petistas, é uma inversão
de posições e valores. "Rebeldes" são
aqueles que transgridem as pregações
históricas, inclusive as que fundamentaram o discurso da campanha vitoriosa. "Coerentes" são os que defendem as
posições registradas pela tradição do
partido. Não pode ser outra a lógica para nortear uma decisão partidária sobre
expurgo de parlamentares.
A questão é: pode um partido, depois
do pleito, mudar de posição doutrinária
e desdizer o que foi dito, apagando parte
de sua memória? Por conveniência e
sentido pragmático, até pode fazer isso,
principalmente quando chega ao centro
do poder e é instado a fazê-lo por absoluta necessidade de se ajustar à realidade macroeconômica. Daí a punir a coerência de alguns de seus quadros é outra
história. Não é possível enxergar punição onde existe coerência de posições.
Punir pessoas que pensam hoje como
pensavam ontem é um desatino. Se isso
ocorrer, quem estará sendo punida é a
própria liberdade de expressão, o que,
convenhamos, numa democracia ainda
incipiente como a nossa, será um agravo à nossa instituição política.
Não defendemos, deve-se dizer, a permanência de um pensamento homogêneo. A política é dinâmica e convive
com as circunstâncias, adaptando-se
aos novos ciclos. Mudar de posição até
faz parte da vida parlamentar. Os partidos, por sua vez, para se fortalecerem,
hão de incorporar as novas demandas e
interpretar as expectativas das parcelas
sociais que representam. Enquanto, porém, não fazem dessa leitura social dogma aprovado em convenção, continuam os partidos a se reger pela doutrina antiga, mesmo que seus dirigentes,
pragmaticamente, estejam sinalizando
novos discursos, com as metáforas do
mundo globalizado.
Tememos que a rigidez do enquadramento que o PT está tentando imprimir
a alguns de seus quadros passe, de repente, a ser imitada por outras siglas, o
que tornaria as nossas entidades partidárias refratárias ao debate de idéias, à
divergência de pontos de vista, à livre
expressão do pensamento.
Levando o raciocínio petista um pouco mais adiante, poderemos imaginar
diversos partidos fechando questão em
torno de temas polêmicos, entre eles,
por exemplo, a aprovação da pena de
morte. Trata-se de uma temática que divide as bases parlamentares. Como parlamentar contrário à pena de morte, como poderia votar a favor dela, mesmo
se meu partido fosse favorável à adoção
da lei? Teria que violentar a minha consciência? Teria que estuprar a minha fé?
Entendo que fidelidade ao pensamento é pré-condição para a grandeza partidária. Só os medíocres trocam de pensamento de acordo com as conveniências. Os invertebrados políticos diluem
sua representação no desfile de uma insipidez que acaba consumindo o que
lhes resta de identidade. É preciso viver
como se pensa, caso contrário, acaba-se
por pensar como se viveu, já dizia o escritor francês P. Bourget. Por isso mesmo, insisto na idéia de que o Parlamento não pode deixar passar à margem
conceitos tão importantes para a prática
política como coerência de pensamento, fidelidade e disciplina partidárias.
Ramez Tebet, 66, advogado, é senador pelo PMDB-MS e presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Foi presidente da Casa de 2001 a 2003.
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