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JOSÉ SERRA
Excluindo os
excluídos
Se a locomotiva não consegue
imprimir maior velocidade ao
comboio, vamos desengatar os últimos vagões apinhados de gente e deixá-los para trás: essa é a lógica da desvinculação do salário mínimo dos benefícios menores pagos pela Previdência, cogitada pelo governo do PT
nas últimas semanas. Criados dois pisos, um para os salários e outro para o
INSS, a intenção seria melhorar o salário mínimo e deixar para trás os proventos dos aposentados e pensionistas
mais pobres.
Não seria a primeira vez que, ao longo da história do Brasil, seriam deixados para trás grandes contingentes da
população. A primeira grande massa
de excluídos foram os ex-escravos.
Mais de cem anos depois, a herança
dessa discriminação continua a cobrar seu preço: embora metade da população seja branca, cerca de 70% dos
pobres e miseráveis são negros ou
mestiços.
A segunda leva de excluídos foram
os trabalhadores rurais, privados dos
direitos sociais conquistados pelos
trabalhadores urbanos. A sindicalização rural só iria generalizar-se no início dos anos 60. A previdência rural,
criada em 1971, só foi universalizada
pela Constituição de 1988. E somente
depois de 1992, com a nova lei de custeio da Previdência, a proteção se tornou realidade: o benefício rural passou de meio para um salário mínimo,
incluiu as mulheres e ampliou a cobertura de 4 milhões para 6 milhões de
pessoas idosas, em apenas dois anos.
A previdência rural se tornou o
maior programa social do Brasil. Com
o pagamento mensal de um salário
mínimo para os trabalhadores aposentados do campo, o país diminuiu
substancialmente o quadro geral de
pobreza. Estudos do IBGE e do IPEA
mostram que os pobres eram 34% da
população em 1999. Sem os benefícios
previdenciários, seriam 45%.
Mais ainda, nos pequenos municípios, a aposentadoria rural movimenta o comércio e estimula o desenvolvimento microrregional, gerando emprego e renda. Em algumas localidades do Nordeste, 21% da população
recebe o benefício. Se ao menos mais
uma pessoa da família depender dessa
receita, mais de 40% dos habitantes
dessas cidadezinhas terão na previdência rural a garantia de uma renda
mínima.
Para equilibrar as contas da Previdência, há escolhas difíceis, porém
menos perversas do que a de reajustar
os benefícios previdenciários a taxas
menores do que as do salário mínimo.
As causas principais dos graves desequilíbrios são o desemprego e a informalidade. Cerca de 60% dos trabalhadores não contribuem, obrigando a
que os 40% que pagam tenham de
manter 100% dos aposentados e pensionistas. A solução verdadeira e corajosa começa por aí.
De mais a mais, é tão grande o número de pessoas que vivem de benefícios sociais mínimos ou que têm a expectativa de logo depender deles que,
se fosse feita a desvinculação, a polêmica em torno do reajuste anual desse
piso seria tão aquecida quanto a atual
sobre o reajuste do mínimo. E o desgaste do governo passaria a ser maior:
pelo percentual, sempre considerado
inadequado, e pela desvinculação.
Enfim, procurar combater a pobreza
e a desigualdade mediante a redução
do piso previdenciário dos mais pobres significa não olhar o rumo do
comboio e o conjunto dos vagões, mas
apenas a conta de chegada do guarda-livros da ferrovia. Que, de todo modo,
não vai fechar e vai continuar gerando
protestos.
José Serra escreve às segundas nesta coluna.
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