São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

Mancha

RIO DE JANEIRO - Seria bom se não fosse verdade. De um ser humano, tudo se espera e, na atual fase da sociedade em que vivemos, o que se espera de pior acaba acontecendo.
Jogar o livro sagrado dos muçulmanos no vaso sanitário e puxar a descarga, episódio que aconteceu em Guantánamo, onde prisioneiros indesejáveis à "pax" norte-americana vivem em regime de campo de concentração, seria inimaginável. Poderia parecer um delírio anticapitalista, uma histeria contra os Estados Unidos, contra Bush.
Nem Fidel Castro e Hugo Chávez, nem mesmo Osama Bin Laden, que, por motivos diferentes, esperam dos norte-americanos as piores coisas, poderiam acreditar na cena: o Alcorão, que, afinal, não passa de um livro, jogado no esgoto. Hitler queimava livros que contrariavam a ideologia e a prática do seu regime. Condenáveis que sejam as fogueiras nazistas, elas não chegavam a ser repugnantes como a estupidez agora cometida, não contra um livro qualquer, mas contra o Alcorão, que, em si mesmo, em sua espécie de livro com páginas e letras, é um objeto sagrado para imensa parcela da humanidade.
As cenas em que soldados norte-americanos maltratavam prisioneiros iraquianos, ainda recentemente, horrorizaram o mundo. Pressionado pela opinião pública mundial, o governo dos Estados Unidos puniu os torturadores. O episódio de Guantánamo não chega a horrorizar, mas enoja a consciência ocidental -que tem de si mesma a imagem de uma civilização superior.
Representante econômico e militar mais poderoso e radical dessa civilização, fica difícil aos Estados Unidos explicarem esse tipo de aviltamento que alguns setores de sua sociedade vêm praticando contra os muçulmanos. O atentado de 11 de Setembro justifica e exige o combate ao terrorismo, mas não o deboche de um livro pelo qual milhões de crentes vivem e morrem.


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