|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Mancha
RIO DE JANEIRO - Seria bom se não fosse verdade. De um ser humano, tudo se espera e, na atual fase da sociedade em que vivemos, o que se espera
de pior acaba acontecendo.
Jogar o livro sagrado dos muçulmanos no vaso sanitário e puxar a descarga, episódio que aconteceu em
Guantánamo, onde prisioneiros indesejáveis à "pax" norte-americana
vivem em regime de campo de concentração, seria inimaginável. Poderia parecer um delírio anticapitalista,
uma histeria contra os Estados Unidos, contra Bush.
Nem Fidel Castro e Hugo Chávez,
nem mesmo Osama Bin Laden, que,
por motivos diferentes, esperam dos
norte-americanos as piores coisas,
poderiam acreditar na cena: o Alcorão, que, afinal, não passa de um livro, jogado no esgoto. Hitler queimava livros que contrariavam a ideologia e a prática do seu regime. Condenáveis que sejam as fogueiras nazistas, elas não chegavam a ser repugnantes como a estupidez agora cometida, não contra um livro qualquer,
mas contra o Alcorão, que, em si mesmo, em sua espécie de livro com páginas e letras, é um objeto sagrado para
imensa parcela da humanidade.
As cenas em que soldados norte-americanos maltratavam prisioneiros iraquianos, ainda recentemente,
horrorizaram o mundo. Pressionado
pela opinião pública mundial, o governo dos Estados Unidos puniu os
torturadores. O episódio de Guantánamo não chega a horrorizar, mas
enoja a consciência ocidental -que
tem de si mesma a imagem de uma
civilização superior.
Representante econômico e militar
mais poderoso e radical dessa civilização, fica difícil aos Estados Unidos
explicarem esse tipo de aviltamento
que alguns setores de sua sociedade
vêm praticando contra os muçulmanos. O atentado de 11 de Setembro
justifica e exige o combate ao terrorismo, mas não o deboche de um livro pelo qual milhões de crentes vivem e morrem.
Texto Anterior: Brasília - Valdo Cruz: Governo paralelo Próximo Texto: Roberto Mangabeira Unger: Para além da corrupção Índice
|