São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Paz, produção e qualidade de vida no campo

LUIZ DULCI e MIGUEL ROSSETTO

O Brasil deu um claro sinal de vitalidade democrática na primeira quinzena deste mês. A marcha pela reforma agrária, organizada pelo MST e por mais 40 entidades, foi uma demonstração da capacidade de mobilização da sociedade brasileira. De forma pacífica e criativa, milhares de trabalhadores das mais diversas regiões do país, depois de caminharem por 16 dias pelas estradas da região Centro-Oeste, trouxeram o que consideram suas justas e legítimas reivindicações ao governo no que diz respeito à reforma agrária.


A questão da reforma agrária não é um jogo em que apenas um dos lados é vitorioso. Quem ganha é o país


O governo Lula, por sua vez, reforçou seu compromisso com a democratização do acesso à terra. Mesmo com limitações orçamentárias, assumiu compromissos, demonstrando de forma inequívoca que uma de suas mais importantes prioridades é a reforma agrária. O resultado foi um acordo histórico, assinado por representantes do movimento e do governo do presidente Lula.
Avanços importantes foram anunciados. O governo reafirmou seu objetivo de assentar 115 mil famílias neste ano e de cumprir a meta definida pelo 2º Plano Nacional de Reforma Agrária. Para tanto, enviará projeto de lei de suplementação orçamentária ao Congresso, assegurando recursos para o cumprimento dos seus objetivos. Além disso, serão atualizados os índices de produtividade, definidos em 1980 com base nos dados do censo agropecuário (IBGE) de 1975 e com defasagens evidentes face ao acelerado desenvolvimento tecnológico ocorrido na produção agropecuária nas últimas três décadas.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra, que foram fundamentais para o sucesso do acordo, desempenharão papel decisivo para a execução dessas tarefas. Por isso, foi autorizada abertura de concurso público para o incremento de seus quadros e a contratação de aprovados em concurso anterior. E mais: o governo ainda se comprometeu a liberar os recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), assegurar uma cesta básica mensal para todas as famílias acampadas e priorizar em futuros assentamentos os trabalhadores dos acampamentos mais antigos.
Como já foi afirmado pelo presidente Lula em diversas oportunidades, é preciso também apoiar o trabalhador já assentado, melhorando sua qualidade de vida e gerando oportunidades para a produção agrícola. Reforma agrária não pode ser a simples distribuição de terras, deixando os assentados à sua própria sorte. Para ter uma idéia, no final de 2002, 90% dos assentamentos não tinham sistema de água e 80% não contavam com luz elétrica.
O governo trabalha no sentido de reverter essa visão limitada do que seria a reforma agrária, apoiando técnica e financeiramente os assentados. A realidade de vários assentamentos já se modificou. Apenas para citar um dado, nos dois primeiros anos deste governo, foi garantida assistência técnica para 80% dos assentamentos.
Como reflexo dessa concepção, o acordo assinado prevê a abertura de linha de crédito do Pronaf Agroindústria no valor de R$ 100 milhões para acesso exclusivo dos assentados, garantidos através de fundo de aval. O objetivo é criar condições para incrementar a produção nos assentamentos, agregando valor aos bens produzidos, gerando um salto de qualidade na vida dos trabalhadores do campo. Além disso, entre outras linhas de crédito, foi aprovado financiamento para recuperação de assentamentos, em que cada família terá acesso a R$ 6.000, com taxa de 1% ao ano, com três anos de carência e prazo de dez anos para o pagamento.
Se essas são as ações concretas e mais imediatas, outras propostas estão sendo analisadas, demonstrando que os canais de diálogo foram reforçados. A mobilização social contribui para o avanço das políticas públicas em relação ao campo. A luta pela reforma agrária legitima as decisões do governo no que diz respeito à agricultura familiar, que, junto com a produção em larga escala, constitui a força e a vitalidade do setor agropecuário brasileiro.
O que alguns identificaram como uma queda de braço entre o governo e o movimento dos sem-terra foi, na verdade, um entendimento sobre a forma e o ritmo de atingir objetivos semelhantes. A questão da reforma agrária não é um jogo em que apenas um dos lados é vitorioso. Quem ganha é o país.
Os trabalhadores da terra têm a oportunidade de permanecer no campo de forma digna, mantendo suas tradições e aprofundando suas raízes. As cidades deixam de ser a única opção de sobrevivência, cidadãos brasileiros não são mais obrigados a procurar suas periferias por falta de alternativa. A economia ganha ao gerar emprego e renda, fazendo com que pequenos municípios adquiram maior dinamismo. Reforma agrária, portanto, não é somente uma questão de justiça, mas também de desenvolvimento. E para todos.

Luiz Dulci, 49, é ministro da Secretaria Geral da Presidência da República (sg@planalto.gov.br).
Miguel Rossetto, 45, é ministro do Desenvolvimento Agrário (miguel.rossetto@mda.gov.br).



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