São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Opinião não é crime

JORGE KAJURU

Eu sou aquele cara da TV, gordo, feio e que anda meio infeliz.
Sou também um cara "bocudo", freqüentemente exagerado, que pesa nos adjetivos, mas, e isso é essencial, que jamais fez uma acusação sem estar respaldado por provas documentais.
E é por isso que quero sua atenção para o que vou relatar aqui sobre o processo que redundou em minha condenação a 18 meses de prisão em regime aberto, dormindo em albergue, pela Justiça de Goiás -condenação que foi suspensa liminarmente pelo STJ até que se julgue o mérito do pedido de anulação da sentença.


Não há pior pena para um jornalista do que a perda da credibilidade e, neste episódio, a minha só fez aumentar


Condenação, é importante que se diga, fruto também do descuido de um advogado, que perdeu o prazo para minha última defesa em Goiás.
Mas imagine que o governo de São Paulo tivesse feito um acordo com os clubes do futebol paulista para reduzir o preço dos ingressos nos estádios em promoção que envolvesse troca por notas fiscais.
Que, em seguida, todos os temas ligados ao campeonato fossem decididos em palácio.
Que o novo presidente da Liga dos Clubes fosse um dos coordenadores financeiros da última campanha eleitoral que elegeu o governador.
Que, do acordo, resultasse a venda, com exclusividade, para um canal de TV por cinco anos.
Que, no primeiro ano, os clubes não recebessem nenhum tostão e, nos quatro seguintes, recebessem muito menos do que contratos semelhantes pagam aos participantes de outros campeonatos estaduais.
Que outras emissoras tentassem entrar na concorrência, oferecendo valores até cinco vezes maiores e o governo os recusasse, sem que os clubes pudessem reagir.
Daí, uma rádio bota o imbróglio no ar porque, digamos, o Corinthians reagiu ao saber que em outros Estados há acordos infinitamente melhores. Reação em vão, porque tudo já estava decidido, até mesmo que o governo paulista seria o patrocinador das transmissões -em nome do próprio governo, não de alguma estatal.
O que você faria se fosse jornalista? Estranharia, denunciaria ou ficaria calado? Pois é. Eu estranhei, documentei e denunciei.
Dizem que sou polêmico e encrenqueiro. Devo mesmo ser e não discutirei com a imagem que existe a meu respeito. Mas sei que louco eu não sou e jamais entraria numa briga com o governo goiano e com a principal empresa de comunicação de Goiás, a Jaime Câmara, se não pudesse provar o que levei ao ar e que resultou no processo movido pela segunda.
Quem vive em São Paulo não imagina até que ponto sobrevivem em outras regiões algumas práticas políticas que normalmente são atribuídas ao velho coronelismo. Pressões, ameaças, estrangulamento financeiro -vale tudo.
E é por isso que quero ser julgado pelo que é substantivo -não por adjetivos que possa ter cometido no calor de um programa de rádio, feito ao vivo e movido por autêntica indignação. E o substantivo está fartamente documentado, como você poderá verificar em www.observatoriodaimprensa.com.br, artifício de que me utilizo aqui para não cansar o leitor com as minúcias de um contrato que nada tem de ficção. É realidade pura e dramática sobre a promiscuidade que caracteriza o tripé, no caso, governo/mídia/futebol.
Lá está o contrato do governo de Goiás, que, no ano em questão (2001) -imediatamente anterior ao da campanha eleitoral-, segundo números oficiais do Tribunal de Contas do Estado, gastou mais com propaganda que os governos de São Paulo e Rio de Janeiro juntos: precisamente R$ 79.981.491,24. Pasmem! Quase R$ 80 milhões. Mais da metade com a Jaime Câmara.
Leia e tente não ficar estarrecido, sem se esquecer de que sou jornalista esportivo, ou seja, que tem tudo a ver com o meu ofício.
Em resumo, um contrato que repassa aos clubes míseros R$ 200 mil anuais em quatro de seus cinco anos de vigência (no primeiro não repassa nada) e tão leonino que não dá margem a nenhum respiro. Diferentemente do contrato feito na mesma época pela Federação Catarinense de Futebol com outra afiliada da Globo, a RBS, cujo valor atingiu R$ 2,3 milhões já no primeiro ano.
Ora, a missão principal do jornalista é fiscalizar o poder e cabe à Justiça não inibir o exercício da crítica e da opinião -ao contrário.
Além do mais, estivesse eu sendo acusado de ter mentido, não tenha dúvida de que a condenação teria vindo antes e da própria opinião pública, além dos veículos sérios de comunicação, que não me concederiam espaço nem emprego. Mas não. Fui condenado por ter chamado a empresa de "oportunista", e reitero meu desafio para que ela mostre que menti.
Porque não há pior pena para um jornalista do que a perda da credibilidade e, neste episódio, por contraditório que pareça, a minha só fez aumentar, tanto entre os pares que respeito como, fundamentalmente, nas ruas.
Resta dizer que estou confiante no que os ministros do STJ decidirão, não só porque acredito na Justiça como porque, agora, tenho como defensor um advogado com as qualidades do ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias.
Além do mais, quero crer que a concessão do habeas-corpus pelo ministro Arnaldo Esteves Lima significa a demonstração de que algum equívoco houve em minha condenação.

Jorge Kajuru, 44, jornalista, é comentarista dos programas "Fora do Ar", pelo SBT, e "Linha de Passe", pela ESPN Brasil.
@ - jorgekajuru@sbt.com.br



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