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Voto facultativo
A exemplo da lei da "ficha limpa", pontos da reforma política emperrados no Legislativo se prestam à mobilização da sociedade
Ainda que duvidosas as implicações e consequências do projeto
"ficha limpa", a sua recente aprovação pelo Congresso teve, ao menos, um aspecto inequívoco -e
sem dúvida animador.
Graças à expressiva mobilização da sociedade, impôs-se ao Legislativo considerar (com inusual
sentido de urgência, aliás) a importância de temas relacionados à
reforma da legislação eleitoral.
Nem todas as propostas de alteração do sistema político se caracterizam, aliás, pela complexidade
e relativo grau de especialização
que exigem do debate. Ideias como a limitação do número dos deputados federais, por exemplo, dificilmente suscitariam outra reação do que a de apoio na maioria
dos eleitores brasileiros.
Se, como é óbvio, tendem a inspirar resistência por parte dos parlamentares, o exemplo da "ficha
limpa" pode demonstrar que, face
às pressões da opinião pública, o
interesse corporativo e partidário
nem sempre sai vitorioso.
Bem mais do que o próprio dispositivo da "ficha limpa", o fim do
voto obrigatório seria capaz de
modificar, em vários sentidos, a
maneira com que se faz política no
país. Vale a ressalva, aplicável a
toda reforma desse tipo, que nada
pode substituir magicamente um
longo processo de aperfeiçoamento democrático, que depende do
acesso à informação e da diminuição das desigualdades sociais.
Resta, contudo, a percepção de
que o princípio do voto obrigatório carece de legitimidade e fundamento, e que não é razoável esperar que saia vencedor nas urnas
um conjunto significativo de representantes do eleitorado, quando parte desse mesmo eleitorado
não vê maior significação no voto
que lhes dedicou.
Se exercido como uma espécie
de corveia burocrática, o direito
individual do voto se torna pouco
mais do que um alvará a ser concedido para o político eleito, que
muitas vezes se considera automaticamente dispensado de posteriores compromissos com o eleitor. Esquece-os com a mesma rapidez, aliás, com que seu próprio
nome é esquecido por muitos dos
que votaram nele.
Lideranças políticas tão distintas quanto Lula, José Serra e Marina Silva já se pronunciaram a favor do voto facultativo. Figuras
importantes, nos mais diversos
partidos, discordam do princípio.
Eis um caso em que, contra temores e resistências localizadas
no estamento político, caberia à
população, por meio de referendo, dar seu veredicto.
As pesquisas de opinião pública mostram bastante divisão
quanto a esse tema. Segundo levantamento do Datafolha divulgado no sábado, o eleitorado se reparte simetricamente diante da
proposta: 48% defendem o voto
facultativo, contra a mesma proporção dos que o preferem compulsório. O debate, que ultrapassa
as divisões partidárias, teria tudo
para aprofundar-se no processo
de uma consulta popular.
O Legislativo, como é de costume, pouco faz para desemperrá-lo. Como ocorre em outros pontos
da reforma política, depende da
pressão da sociedade levá-lo
adiante -e não dar como perdida
qualquer possibilidade de mudança num sistema às voltas com
nítida crise em seus mecanismos
de representação.
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