São Paulo, segunda-feira, 31 de maio de 2010

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Voto facultativo

A exemplo da lei da "ficha limpa", pontos da reforma política emperrados no Legislativo se prestam à mobilização da sociedade

Ainda que duvidosas as implicações e consequências do projeto "ficha limpa", a sua recente aprovação pelo Congresso teve, ao menos, um aspecto inequívoco -e sem dúvida animador.
Graças à expressiva mobilização da sociedade, impôs-se ao Legislativo considerar (com inusual sentido de urgência, aliás) a importância de temas relacionados à reforma da legislação eleitoral.
Nem todas as propostas de alteração do sistema político se caracterizam, aliás, pela complexidade e relativo grau de especialização que exigem do debate. Ideias como a limitação do número dos deputados federais, por exemplo, dificilmente suscitariam outra reação do que a de apoio na maioria dos eleitores brasileiros.
Se, como é óbvio, tendem a inspirar resistência por parte dos parlamentares, o exemplo da "ficha limpa" pode demonstrar que, face às pressões da opinião pública, o interesse corporativo e partidário nem sempre sai vitorioso.
Bem mais do que o próprio dispositivo da "ficha limpa", o fim do voto obrigatório seria capaz de modificar, em vários sentidos, a maneira com que se faz política no país. Vale a ressalva, aplicável a toda reforma desse tipo, que nada pode substituir magicamente um longo processo de aperfeiçoamento democrático, que depende do acesso à informação e da diminuição das desigualdades sociais.
Resta, contudo, a percepção de que o princípio do voto obrigatório carece de legitimidade e fundamento, e que não é razoável esperar que saia vencedor nas urnas um conjunto significativo de representantes do eleitorado, quando parte desse mesmo eleitorado não vê maior significação no voto que lhes dedicou.
Se exercido como uma espécie de corveia burocrática, o direito individual do voto se torna pouco mais do que um alvará a ser concedido para o político eleito, que muitas vezes se considera automaticamente dispensado de posteriores compromissos com o eleitor. Esquece-os com a mesma rapidez, aliás, com que seu próprio nome é esquecido por muitos dos que votaram nele.
Lideranças políticas tão distintas quanto Lula, José Serra e Marina Silva já se pronunciaram a favor do voto facultativo. Figuras importantes, nos mais diversos partidos, discordam do princípio.
Eis um caso em que, contra temores e resistências localizadas no estamento político, caberia à população, por meio de referendo, dar seu veredicto.
As pesquisas de opinião pública mostram bastante divisão quanto a esse tema. Segundo levantamento do Datafolha divulgado no sábado, o eleitorado se reparte simetricamente diante da proposta: 48% defendem o voto facultativo, contra a mesma proporção dos que o preferem compulsório. O debate, que ultrapassa as divisões partidárias, teria tudo para aprofundar-se no processo de uma consulta popular.
O Legislativo, como é de costume, pouco faz para desemperrá-lo. Como ocorre em outros pontos da reforma política, depende da pressão da sociedade levá-lo adiante -e não dar como perdida qualquer possibilidade de mudança num sistema às voltas com nítida crise em seus mecanismos de representação.


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