São Paulo, sábado, 31 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Este é o momento de baixar os juros?

SIM

Uma aposta sem ônus

JULIO GOMES DE ALMEIDA

Nada está garantido, mas é notória a evolução do quadro financeiro na última semana, salvo pelo anúncio de mais um recorde da dívida pública -o que já era esperado, em razão da escalada do dólar nos últimos meses.
As novidades estão no expressivo recuo do dólar e do risco Brasil e em um início de queda das taxas de juros futuras. O Banco Central conseguiu rolar quase toda a parcela da dívida pública em títulos e contratos cambiais que venciam na próxima semana e a Petrobras captou financiamento externo, após um longo jejum de recursos de fontes internacionais privadas para o país.
Do lado da inflação, é evidente que o quadro se deteriorou com a crise financeira. A inflação em 2002 ficará bem acima das previsões do início do ano, e a de 2003 será pressionada pela desvalorização cambial recente, através do canal de transmissão do reajuste de tarifas indexadas. O que é importante sublinhar é que esse agravamento do quadro inflacionário não decorre dos preços ditos "livres", os quais não devem pressionar adicionalmente a inflação, nem mesmo na hipótese de que a economia volte a crescer no próximo ano.
Em decorrência da retração de 2001 e da estagnação vivida pela economia no primeiro semestre deste ano, tendendo a uma nova retração no segundo semestre, uma eventual recuperação econômica em 2003 partirá de um nível de atividade muito baixo e de uma acentuada margem de capacidade de produção não utilizada pela indústria.
Diante disso, o Banco Central poderia exercer de imediato o "viés de baixa", decidido na última reunião do Copom, e reduzir a taxa básica de juros.
É uma aposta? É claro que sim, pois não há garantias de que o quadro financeiro não venha novamente a se deteriorar. Trata-se, todavia, de uma aposta que pode ampliar a melhora das expectativas e a redução das taxas de juros futuras, o que contribuirá para a redução dos custos financeiros do setor público e das taxas de juros ao consumidor. Por outro lado, o ônus da medida em termos de um agravamento da inflação ou da instabilidade financeira será rigorosamente nenhum.
Do lado real da economia, a redução da taxa de juros poderia ajudar a deter um processo que, a nosso ver, delineia-se de forma cada vez mais clara. As forças dinâmicas na economia estão se esvaindo em uma tal progressão que já há ameaça de uma nova recessão. A queda da renda real da população está contraindo o mercado interno consumidor; o crédito caro e o temor do agravamento da crise financeira e do desemprego levam até mesmo o consumidor de maior renda a adiar as compras de bens duráveis; a instabilidade financeira deprime ainda mais os investimentos; e a queda das exportações não ajuda a compensar a menor demanda interna.
Muitos analistas acreditam que uma redução da taxa básica de juros hoje afetará a economia só daqui a seis meses, ou até mais, mas isso não é verdadeiro no plano das expectativas de curto prazo dos industriais e comerciantes.
Se essas expectativas forem levadas em conta, podemos antever a influência de uma queda da taxa de juros em um prazo muito menor. Para que as expectativas de curto prazo sejam despertadas e operem a favor de um relançamento do crédito e da atividade econômica, não é necessário que os juros caiam repentinamente, mas, sim, que os empresários antevejam uma continuidade na redução dos juros no futuro.
Se assim for, a máquina das expectativas passa a operar e seus resultados poderão se traduzir em um aumento das vendas e do consumo em prazo curto de tempo. Prevendo uma melhora e o barateamento do seu próprio crédito, os empresários da indústria estarão mais dispostos, desde já, a ampliar prazos para os comerciantes, os quais, igualmente, estarão mais dispostos a aumentar os prazos de pagamento nas vendas ao consumidor, incentivando o consumo.
No plano das expectativas de curto prazo, o processo se desenvolve, portanto, por meio da ampliação de prazos das vendas, e não da redução da taxa de juros do crédito bancário às empresas e aos consumidores. As taxas bancárias costumam demorar mais a reagir a uma redução da taxa básica de juros .
Iniciar o quanto antes um processo de redução dos juros e dirigir os maiores esforços para não interromper essa redução inicial tem por objetivo despertar as expectativas de curto prazo. É o meio mais eficaz -talvez o único neste momento- de afastar o fantasma da recessão até o fim deste ano.


Julio Gomes de Almeida, 46, economista, é diretor-executivo do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).



Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Não - Hugo Penteado: Política monetária e crescimento econômico
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.