São Paulo, sábado, 31 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Este é o momento de baixar os juros?

NÃO

Política monetária e crescimento econômico

HUGO PENTEADO

Todos os fatores favorecem uma redução de juros, mas a política monetária precisa ser pautada pela credibilidade. Enquanto os eventos positivos já observados na economia não se traduzirem em menor volatilidade do câmbio, fica improvável uma redução de juros. Mas isso pode acontecer em pouco tempo.
Entre os fatores em prol de uma redução de juros, temos a melhora na balança de pagamentos, pois a necessidade de dólares caiu de US$ 80,4 bilhões, em julho de 99, para US$ 43 bilhões (estimados), em 2002, e apenas US$ 39 bilhões em 2003. O ajuste no déficit em transações correntes (bens e serviços) também é significativo: deve recuar de um máximo de US$ 33,5 bilhões, em 99, para apenas US$ 13 bilhões em 2003, com a previsão de uma balança comercial de US$ 8 bilhões em 2002 e US$ 10 bilhões em 2003.
Dois fatos muito importantes aqui merecem ser mencionados. Primeiro, o superávit comercial não se dá por causa do enfraquecimento da economia, e sim, em grande parte, em razão do processo de substituição de importações, cuja economia é calculada em US$ 10 bilhões apenas este ano. Com o regime cambial flutuante, desapareceu o estímulo para usar insumos produtivos importados, e esse processo é uma mudança estrutural.
Segundo, não é porque a taxa de câmbio nominal se depreciou que há o ajuste em todas as contas da balança de pagamentos, mas graças aos ajustes reais no câmbio. Isso é mérito das boas políticas monetária e fiscal, que preservaram a estabilidade inflacionária, melhorando a balança de pagamentos. Com isso, a trajetória de depreciação nominal do câmbio deverá ser revertida.
Essa trajetória do câmbio deverá fazer a dívida pública recuar novamente de 61,9% do PIB, em julho, para 56%, em dezembro deste ano. Com boas políticas monetária e fiscal, é impossível uma trajetória de depreciação contínua do câmbio, como também da dívida pública. Não há com o que se preocupar aqui, mesmo porque esses avanços de política econômica estão bem sedimentados hoje. Acima de tudo, depreciação nominal do câmbio qualquer país consegue, já a depreciação real requer uma dose de boa política econômica, e é exatamente este o caso do Brasil.
Além disso, com sinais de desaceleração na demanda, o Banco Central tem espaço para reduzir juros até o final do ano, tão logo o câmbio se acalme. A inflação não é uma preocupação, pois o atual repasse da pressão cambial para os preços tem sido muito baixo, por conta de uma demanda fraca. A par disso, a contribuição da alimentação, por ora com uma pressão sazonal, continua sendo positiva para a inflação dos 12 meses, a única que interessa para avaliar as diretrizes de política monetária.
Mesmo com os juros mantidos altos, cortando pressões inflacionárias eficazmente, é bom lembrar que não existe contradição nenhuma entre o objetivo da estabilidade inflacionária e o crescimento. A maior evidência empírica do período pós-guerra revela que só há crescimento econômico com inflação estável (esta, por sua vez, depende também de uma boa política fiscal).
Passamos a maior parte do tempo discutindo o efeito das mudanças nos juros sobre a atividade no curtíssimo prazo e perdemos de vista a questão mais importante: choques inflacionários de curto prazo não são capazes de sustentar o crescimento ao longo do tempo. A estabilidade inflacionária é, portanto, o motor de crescimento e, sem isso, com certeza, compromete-se o potencial de expansão das economias modernas.
Por isso é muito importante ter uma política monetária a salvo de influências externas. Não é a solução para todos os nossos problemas, mas é, sem dúvida, um excelente ponto de partida.
A função de reação dos bancos centrais pode ser beneficiada por ajustes, como, por exemplo, o recente aumento da meta inflacionária feito pelo Banco Central europeu e, aqui no Brasil, com o aumento da meta de 3,25% para 4% em 2003. A função de reação da política monetária tem como variáveis o crescimento econômico e a inflação. Não existe nessa função nenhuma relação com os juros da dívida pública, mesmo porque o Tesouro paga os juros que a sua história determina, e não o que gostaria de pagar.
Por isso, para que os juros da dívida pública caiam, não adianta contar com a redução feita pelo Banco Central, pois a única taxa que essa autoridade determina é a primária. As condições de devedor do Tesouro e a sua política de superávits fiscais primários irão assegurar a queda nos juros pagos sobre a dívida pública. Essa linha de raciocínio passou por um longo processo de consolidação e não está, muito provavelmente, sujeita a reparos, garantindo um futuro promissor para nossa economia.



Hugo Penteado, 37, mestre em economia pela USP, é economista-chefe do ABN Amro Asset Management.



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