São Paulo, terça-feira, 31 de agosto de 2004

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POLÍTICA ESPORTIVA

O Brasil chegou ao final dos Jogos Olímpicos de 2004 de Atenas com quatro medalhas de ouro, seu melhor desempenho na história da competição. Não obstante, ao considerar a população do país, que já superou os 180 milhões de habitantes, e suas potencialidades esportivas, não há como escapar à sensação de que resultados melhores poderiam ter sido alcançados. Comparado ao de países como a China, a Rússia e a Austrália, o desempenho do Brasil foi pífio.
Esse sentimento de que o país permanece aquém de suas potencialidades tem alimentado discussões sobre quais devem ser as diretrizes da política esportiva governamental. Esquematicamente, o debate gira em torno de duas alternativas.
De um lado, enfatiza-se a importância de investir no chamado esporte de alto rendimento, ou seja, em melhores condições para o aperfeiçoamento de uma elite de atletas que poderia obter mais vitórias em competições de nível internacional. De outro, salienta-se a importância de o Estado investir no esporte de base, que teria como principal objetivo não a formação de medalhistas olímpicos, mas a disseminação social da prática esportiva.
As duas opções não são excludentes. Ao contrário, complementam-se, embora a escassez de recursos possa levar a uma disputa entre os mais interessados numa ou noutra.
O investimento público em esportes no Brasil precisa ser analisado à luz das necessidades da sociedade e de uma política esportiva de longo prazo. O objetivo não deve ser produzir atletas "artificialmente" e o mais rápido possível para ganhar medalhas, mas investir num processo mais amplo e contínuo, com encadeamentos a serem observados.
Antes de mais nada, cabe ao Estado incentivar a atividade física, como política complementar de saúde, e a atividade física competitiva como política esportiva, sobretudo na rede de ensino. O problema aqui não diz respeito apenas a recursos, mas principalmente à vontade política, que deve presidir um esforço de planejamento, coordenação e implementação, envolvendo as diversas instâncias do poder público. É preciso mobilizar as escolas, criar competições e propiciar à massa estudantil condições para que revele talentos. Segundo a conhecida fórmula, da quantidade deve nascer a qualidade.
Quanto ao esporte competitivo de alto nível, ao qual o Estado já destina recursos, seja das loterias, seja por intermédio de empresas públicas, deve-se buscar o apoio da iniciativa privada. Isso requer uma regulação do ambiente esportivo que ofereça segurança ao investidor, o que é bem diferente de uma estrutura, como a atual, marcada pela falta de transparência e a apropriação de entidades por interesses pessoais, de grupos e até de famílias. São conhecidos os casos de dirigentes que se perpetuam nos cargos, criam feudos e deixam em segundo plano as atividades que deveriam promover. É imperioso dar um fim a essa situação.
Num quadro como este, uma lei de incentivos fiscais para o esporte, como a que o governo está por propor, só pode ser vista com muita cautela.
Dinheiro de impostos é dinheiro público e não de empresas. Concessões de incentivos devem ser transitórias, visando estimular investidores. Elas precisam estar subordinadas a cronogramas e metas verificáveis. É indispensável exigir da iniciativa privada a necessária contrapartida no investimento, o que afasta a possibilidade de renúncia integral. É igualmente fundamental que os recursos sejam aplicados em consonância com as diretrizes de uma política nacional de esporte (que deve traçar objetivos e prioridades) -e não apenas com os interesses de marketing das empresas ou as ambições de dirigentes esportivos.
Não há nenhuma urgência em transformar o Brasil numa potência olímpica. Se um dia isso acontecer, que seja fruto não de artifícios com vistas a efeitos propagandísticos, mas de uma política esportiva consistente e de longo prazo, com forte enraizamento na sociedade.


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