São Paulo, terça-feira, 31 de agosto de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Democracia e universidade

IVAN MONTEIRO DE CASTRO, MÁRCIO R. AZEVEDO e RODOLFO V. BALDOCCHIM

Do alto do título de professores titulares da USP, de todo o seu "mérito, experiência e competência", protegidos pela estrutura de poder mais autoritária das universidades brasileiras, alguns representantes da burocracia universitária -Alfredo Bosi, Hernan Chaimovich e João Steiner- puseram-se a discutir, na edição de 5/8 desta Folha, as relações entre a universidade e a democracia, destacando o caráter supostamente "violento" que teria caracterizado o último movimento de greve, que constituiria "claro desrespeito a princípios elementares e universalmente aceitos da democracia" ("Universidade e democracia", pág. A3).
Bastiões da liberdade de expressão e da "reflexão racional", esses professores não respeitam o princípio elementar de que a democracia, de que tanto falam, é o governo de todos, para todos, exatamente o oposto do que acontece na USP, onde os estudantes e os funcionários, assim como parcela significativa de professores, são excluídos dos processos decisórios. A antidemocrática estrutura de poder garante aos estudantes 10% de participação nos conselhos decisórios e 5% aos funcionários, contra a casta de professores titulares, que, incrustada na burocracia mais tacanha, domina a universidade, em conluio com as fundações privadas, de um lado, e com o governo do Estado de São Paulo, do outro.


Ainda estamos dentro de uma concepção de universidade análoga à da elite paulistana do início do século


Ora, mas isso é mais do que justo, pois, se a universidade deve formar cidadãos que "desempenharão papel de relevância e liderança na sociedade", ainda estamos dentro de uma concepção de universidade análoga à da elite paulistana do início do século, que pretendia, com a criação da USP, "ilustrar as massas ignorantes" e "formar as lideranças deste país". Como tratamos aqui de uma posição elitista, defendida pela elite da universidade, nada mais natural do que reclamar, bem ao gosto dos militares e do AI-5, por respeito às "autoridades legitimamente constituídas".
Abstemo-nos de comentar a infeliz observação acerca dos atos haverem sido realizados por parte de "grupos pouco representativos". Primeiro, se os sindicatos não são representativos, será a meia dúzia de titulares iluminados? Definitivamente não. Depois, se fôssemos mesmo "pouco representativos", como conseguiríamos parar a USP?
Quanto aos "piquetes autoritários", fica a discordância acerca de quem seja, de fato, autoritário: os funcionários pedindo reposição salarial e aumento do vale-alimentação de R$ 45 para R$ 130, ou os professores titulares? Da mesma forma, as ocupações -e não invasões- das reitorias foram, de fato, violentas, mas não de nossa parte; violenta foi a reação por parte das reitorias e da Polícia Militar. Do mesmo modo como foi violenta e despropositada a reação do reitor da USP, quando entrou com mandado de reintegração de posse e ameaçou com a entrada da PM no campus, como em outros tempos de democracia à Pinochet ou Golbery.
Sobre a Assembléia Legislativa, se não bastasse a impossibilidade absoluta de debate, através da clara intervenção descabida do Executivo no Legislativo, o presidente dessa Casa, deputado Sidnei Beraldo, simplesmente mostrou o dedo do meio para a platéia. Queríamos fazer um ato simbólico, para mostrar a toda a sociedade o sucateamento das universidades públicas, quando fomos, junto com professores e funcionários, inclusive da assembléia, atacados pela tropa de choque. A pergunta é: de que tem medo o governo do Estado?
O que nos assusta, mais do que as opiniões dos doutos professores, é o fato de eles as disfarçarem sob um verniz democrático, que some quando defendem o elitismo da universidade e o respeito às autoridades constituídas (aliás, que são eles mesmos, constituídos por eles mesmos), incorrendo em demagogia, como quando dizem que, "impedindo a reflexão sobre a paz, os métodos utilizados na greve contribuíram com o culto à violência". Onde o reitor não é eleito pelo voto direto, onde a polícia é constantemente acionada, qual nossa condição de sermos violentos? Nada mais fascista do que atribuir a um movimento político, que defende a universidade pública, o título de fascista: além de, a priori, impedir o diálogo, desqualificando um dos lados, incorrem em comparação historicamente equivocada; sobremaneira, jogam água no moinho do conservadorismo, procurando deslegitimar e criminalizar os movimentos sociais.
Temos, com Pablo Neruda, "esperança de que a pátria adquira cada dia melhores títulos no terreno da dignidade democrática do mundo".

Ivan Tamaki Monteiro de Castro, 19, é estudante de direito. Márcio Rosa Azevedo, 23, é estudante de ciências sociais. Rodolfo Vianna Baldocchi, 19, é estudante de jornalismo. Todos são diretores do Diretório Central dos Estudantes Alexandre Vannucchi Leme, da USP.


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