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DEMÉTRIO MAGNOLI
O céu na gaveta
PERDEMOS Plutão? A União
Astronômica Internacional
(UAI) expulsou-o da família
de planetas, mas ele continua lá fora, gélido e silencioso como antes.
Ciência é investigação, segundo
um método, criatividade e arte.
Quando expurgou Plutão, a UAI
não fez ciência: produziu uma definição, entre outras possíveis, com a
finalidade de classificar e nomear.
Nomear é um ato de poder. É um
gesto de apropriação intelectual,
com repercussões simbólicas. A
UAI não descobriu nenhuma característica nova dos planetas nem
ofereceu alguma teoria inovadora
acerca do Sistema Solar. Ela optou
por uma ordem simbólica, excluindo outras.
Inicialmente, a hipótese aventada foi permitir a multiplicação de
planetas. A conseqüência disso seria destruir a figuração popular de
um sistema compacto, que aprendemos a reconhecer na infância e
que nos conecta à vastidão do cosmo. Ao rejeitar essa destruição, a
UAI estava dizendo que o céu deve
caber na gaveta.
A solução encontrada é mais do
que isso. O "novo" Sistema Solar
apresenta-se como figuração de
uma ordem perfeita. São quatro
planetas interiores, pequenos e rochosos, separados de quatro planetas exteriores, grandes e gasosos,
pela vasta faixa de fronteira de um
cinturão de asteróides. A UAI pretendeu sublinhar a gênese comum
do Sistema. Mas, na sua lancinante
simetria, o modelo adotado tem
propriedades estéticas que sugerem um arranjo divino.
Não encontrou acolhida a hipótese de conservar tudo como estava, pelo recurso de batizar de "planetas clássicos" os nove planetas
tradicionais e fechar as portas da
família aos intrusos. Essa solução
não pareceu "científica" o suficiente, pois desafiava a lógica cartesiana: como justificar a condição planetária de Plutão, negando-a a astros "similares" recentemente descobertos?
A figuração do Sistema Solar
tem, essencialmente, funções de
divulgação e educação. A força sugestiva dos nomes mitológicos dos
planetas alia-se a imagens poderosas, como os anéis saturnianos, para capturar a imaginação das crianças e conduzi-las ao labirinto de
curiosidades no qual podem deparar com o discurso das ciências. O
Sistema Solar deposto cumpria
melhor essas funções.
Não perdemos Plutão. Perdemos
um sistema que, além de compacto, apresentava-se como ordem
imperfeita e sugeria um ponto de
fuga para a complexidade. Esse
ponto era Plutão. O nono planeta,
longínquo e minúsculo, com seu
núcleo parecido com o de um cometa e sua órbita divergente, indagava a simetria do conjunto e desarmava os espíritos. Ele nos alertava para as limitações do modelo,
como quem aponta uma frase inconclusa. Foi isso que perdemos.
magnoli@ajato.com.br
DEMÉTRIO MAGNOLI escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
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