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TENDÊNCIAS/DEBATES
Prouni
FERNANDO HADDAD
O impacto do Prouni sobre a qualidade da educação de nível médio
e superior se fará notar
no curto prazo
DE 1988 A 2004, as instituições
de ensino superior (IES) sem
fins lucrativos, que respondem por 85% das matrículas, amparadas pelos artigos 150, inciso VI, alínea
c, e 195, parágrafo 7º, da Constituição
Federal, gozaram de isenções fiscais
sem nenhuma regulação do poder público. Acórdão do STF, de 1991, garantia o gozo das isenções enquanto perdurasse essa situação.
Até 2004, as IES concediam bolsas
de estudos, mas eram elas que definiam quem seriam os beneficiários,
em que cursos, o número de bolsas e
os descontos concedidos. Raramente
era concedida uma bolsa integral. E
quase nunca num curso de medicina.
Surge o Prouni para moralizar essa
situação. O Prouni estabelece que as
IES que gozam de isenções fiscais
passem a conceder bolsas de estudos
na proporção dos alunos pagantes por
curso e turno, sem exceção.
Ficou estabelecido que só haveria
dois tipos de bolsas: integral ou de
50%. E que os beneficiários fossem
selecionados pelo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). A concessão
da bolsa teria como único critério o
mérito. Além disso, definimos o perfil
socioeconômico dos bolsistas: egressos de escola pública com renda familiar per capita de 1,5 salário mínimo
para bolsa integral e de três salários
mínimos para bolsa parcial de 50%.
Os resultados são conhecidos. Cerca de 200 mil jovens de baixa e média
renda ingressaram no ensino superior. Algo em torno de 40% são afrodescendentes e indígenas. Muitos
desses jovens cursam medicina, direito, engenharia, odontologia etc. Muitos são professores em serviço na
educação básica pública. Por sua condição, estão dispensados de preencher os requisitos socioeconômicos
definidos para os demais bolsistas.
A nota mínima no Enem para obtenção da bolsa foi fixada em 45 pontos, mas a nota média dos beneficiados atingiu a marca de 67 pontos, contra os 52 pontos obtidos pelos alunos
egressos de escolas privadas na mesma edição do exame. Bolsistas matriculados em cursos de turno integral
fazem jus ainda a uma bolsa-permanência de R$ 300 por mês, já que não
podem trabalhar enquanto estudam.
Por falta de regulamentação, no período entre 1988 e 2004, mais de 1 milhão de bolsas deixaram de ser concedidas, enquanto as isenções eram
usufruídas. Hoje, a situação é outra.
Não estamos mais questionando a
chamada "pilantropia" na educação
superior, mas a qualidade dos cursos
superiores. Um avanço atestado pelo
número de estudantes que fizeram a
prova do Enem no último domingo
-quase 3 milhões.
O impacto do Prouni sobre a qualidade da educação de nível médio e superior se fará notar no curto prazo.
Em primeiro lugar, a quase universalização do Enem, propiciada pelo
Prouni, permite, com tratamento estatístico sofisticado e infelizmente
ainda pouco conhecido no Brasil (referimo-nos às contribuições seminais
do Prêmio Nobel James Heckman sobre correção de viés de seleção), divulgar as notas médias, escola por escola, do ensino médio, a exemplo do
que se fez com a quarta e a oitava séries do ensino fundamental com a
Prova Brasil, da qual apenas a rede de
ensino do Estado de São Paulo não
participou nos moldes propostos.
A transparência na divulgação dos
dados garante a mobilização da comunidade escolar de pais, alunos,
professores e dirigentes para exigir e
ajudar a construir uma escola pública
de qualidade.
Em segundo lugar, a lei que cria o
Prouni estabelece que os cursos que
receberem conceito insatisfatório em
três edições do Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) sejam descredenciados do
programa, e as bolsas, remanejadas
para cursos com conceito satisfatório,
garantido o direito dos alunos matriculados.
O projeto de lei original previa apenas duas edições, mas parlamentares
da oposição apresentaram emenda
modificativa, ampliando o prazo para
descredenciamento. Mesmo com essa concessão do Legislativo, acreditamos que a sistemática promoverá
qualidade, já que a não-atenção a esse
requisito trará prejuízos financeiros
às IES.
Dos 9.114 cursos credenciados no
Prouni, 237 (2,6%) estão em observação. Caso a comissão de doutores,
constituída por sorteio para avaliação
final, confirme o que os indicadores
do Enade sugerem, esses cursos passarão por processo de reestruturação,
sob pena de descredenciamento.
O Prouni pode e será aperfeiçoado.
Isso só não acontecerá se prosperar a
ação direta de inconstitucionalidade
proposta pelo PFL, cujo sucesso restaura os privilégios pré-2004 das IES
-ou seja, isenção fiscal sem contrapartida.
FERNANDO HADDAD, 43, advogado, mestre em economia, doutor em filosofia, professor de ciência política da
USP, é ministro da Educação.
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