São Paulo, quinta-feira, 31 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Volkswagen: momento de impasse

JOSÉ LOPEZ FEIJÓO

O sindicato não perde a esperança. E, mesmo neste momento de luta, está aberto a um verdadeiro processo de negociação

NEGOCIAÇÃO. Essa tem sido a meta batalhada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC ao longo dos anos, principalmente a partir do final dos anos 80, quando se desenhou um novo cenário de competitividade industrial. Nem sempre a via para a negociação é fácil. Às vezes, para ela ser conquistada, é preciso resistência e muita luta na forma de greves e até de passeatas. E para a negociação acontecer, é preciso garantir equilíbrio entre as duas partes.
Não faltam exemplos da habilidade de negociação por parte do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
Os acordos da Câmara Setorial do Complexo Automotivo, de 1992 e 1993, foram frutos de nossa capacidade de organização e intervenção nos fóruns tripartites, tendo como realidade a abertura indiscriminada à entrada de produtos importados, a estagnação no consumo e os riscos do desemprego em massa.
Entre os vários resultados positivos desses acordos, destacamos a retomada da produção e da venda de veículos (de um patamar de 1.074.000 unidades anuais, em 1992, para 2 milhões em 1993) e a conseqüente elevação da arrecadação dos tributos.
O pontapé inicial para a fabricação de carros populares foi dado a partir da conclusão desses acordos, que ainda permitiram a recuperação do poder de compra dos trabalhadores, cuja renda aumentou 20%. Não podemos esquecer a conquista da manutenção dos empregos nesse período.
A atitude dos Metalúrgicos do ABC de buscar a via da negociação para as mudanças necessárias ou pretendidas pelas empresas tem, na prática, dado às fábricas instaladas na região um diferencial competitivo e seguro, com acordos que vão da redução da jornada à reorganização do tempo de trabalho e implantação de novas formas de organização da produção, do trabalho e da gestão.
Os acordos de participação nos lucros e resultados e as lutas por melhores salários têm injetado cifras significativas na economia do ABCD, terceiro maior pólo consumidor do país. Com a própria Volkswagen, este sindicato negociou no passado. Em 98, o setor automobilístico estava mergulhado em uma crise. A multinacional alemã anunciou que tinha um excedente de 6.500 trabalhadores.
Em negociação com o sindicato, foi construído um acordo de estabilidade de emprego até junho de 2001, o qual gerou benefícios e sacrifícios para a empresa e para o trabalhador. Este teve o posto de trabalho garantido, mas precisou aceitar o banco de horas (no lugar do pagamento das horas extras até um certo número de horas trabalhadas) e o início da Semana Volkswagen (redução da jornada em razão da diminuição da demanda do mercado, o que implica diminuição do valor da participação nos lucros e resultados).
No final de 2001, nova crise. Em outubro daquele ano, a empresa demitiu 3.075 trabalhadores. Depois de esgotadas as possibilidades de negociação no Brasil, o presidente do sindicato à época, Luiz Marinho (hoje ministro do Trabalho), foi à Alemanha e construiu um acordo de estabilidade de emprego com duração de cinco anos (até 21 de novembro deste ano), o qual incluía a garantia de novos investimentos na fábrica de São Bernardo.
As demissões foram revertidas e, em, 2002, foi concluída a negociação para a produção do Fox exportação para a Europa, com produção integral na fábrica da Anchieta (acordo que a empresa não respeitou, porque passou a fazer parte da produção no Paraná). O acordo de estabilidade incluía benefícios e sacrifícios para todos os envolvidos.
Em maio deste ano, nova surpresa. A Volkswagen anunciou a intenção de demitir quase 6.000 trabalhadores em três das cinco fábricas no Brasil -intenção repetida em outros países onde ela tem fábrica, já que o plano faz parte de uma reestruturação produtiva mundial. No Brasil, a Volks divulgou que pretende diminuir uma série de direitos.
O sindicato se reuniu durante 26 horas com a empresa e apresentou uma contraproposta para cada ponto defendido por ela. Todas foram rejeitadas. Para piorar a situação, na última semana, a Volks deu um ultimato ao trabalhador: ou ele aceitaria 3.600 demissões e o corte de direitos ou a empresa poderia demitir 6.100 empregados e até fechar a fábrica.
Mais uma vez, sindicato e trabalhadores optaram pela negociação. Dessa vez, foram 33 horas de conversas que se revelaram improdutivas. A empresa insiste no processo de demissão anunciado e no corte de direitos, o que impossibilita a construção de um acordo equilibrado.
Tal intransigência pode significar a perda de trabalho para mais de 106 mil trabalhadores, levando em conta toda a cadeia produtiva. Com tudo isso, a Volkswagen pode ser responsável por retirar da economia quase 4,8 bilhões de reais. Mas o sindicato não perde a esperança. E, mesmo neste momento de luta, está aberto a um verdadeiro processo de negociação.


JOSÉ LOPEZ FEIJÓO, 56, metalúrgico, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Fernando Haddad: Prouni

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.