São Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ SARNEY

Justiça, riqueza e amor

O MARQUÊS de Pombal escreveu uma carta ao governador do Maranhão, Melo e Póvoas, seu sobrinho, dando-lhe conselhos de tio sobre como devia governar. São muitos, mas num deles se referia a de que maneira devia fazer justiça e recomendava: tivesse sempre presente que três deuses colocaram os antigos com os olhos vendados, Astréa, deusa da Justiça, Cupido, deus do amor, e Pluto, deus da riqueza. Tirava a conclusão de que, se estavam com os olhos vedados, era porque não eram cegos. "É prejudicial em quem governa riqueza cega, amor cego -e justiça cega."
O Supremo Tribunal Federal, em seu último julgamento, mostrou que o preconceito de que a prerrogativa de foro é privilégio não resiste. Ela, ao contrário, é necessária, não é impunidade nem tão pouco perspectiva de fugir ao processo legal. É, inclusive, justiça mais rápida, porque não vai a outra instância. É decisão final.
Daqui a menos de um ano vão-se completar 200 anos da instituição de um tribunal supremo, quando dom João 6º, em 10 de maio de 1808, criou a Casa de Suplicação do Brasil, "considerada como Superior Tribunal de Justiça para nele se findarem todos os pleitos" que não teriam de ir mais a Portugal, para a outra Casa de Suplicação de Lisboa. Bernardo Pereira de Vasconcelos, que foi o Ruy Barbosa daquele tempo, dizia, em 1826, que esse Tribunal "exercia suas atribuições com grande vexame público".
Naquele tempo, os juízes eram políticos, e a Justiça nada tinha de independente. Para que se tenha uma noção de como avançamos na concepção desse Tribunal, basta lembrar que, quando dom João o criou, invocava a necessidade de ele defender "o sagrado direito da propriedade, o mais seguro da sociedade civil". Já o Supremo Tribunal Federal, republicano, nas considerações de Campos Salles, então ministro da Justiça, falava da "missão histórica da Corte", no sentido de ser "um ponto de partida para um sólido regime de liberdade, de direitos individuais". Hoje cabe-lhe defender os direitos sociais.
Grandes julgamentos coletivos às vezes ocorrem. Agora foram 40 réus; no tempo de Floriano, Ruy Barbosa pediu habeas corpus para 46 pacientes, generais, almirantes, jornalistas e até o nosso poeta Olavo Bilac. Perdeu. O pedido foi negado, com apenas um voto divergente. Ruy beijou a mão do ministro que votou a favor.
O Brasil caminhou muito em suas instituições, e ao Supremo entregou a missão de ser o guardião da Constituição, sendo como pedia Ruy Barbosa: "Venerando, severo, incorruptível guarda vigilante desta terra".


jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Nelson Motta: Ficção ou confissão?
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.