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JOSÉ SARNEY
Justiça, riqueza e amor
O MARQUÊS de Pombal escreveu uma carta ao governador do Maranhão, Melo e
Póvoas, seu sobrinho, dando-lhe
conselhos de tio sobre como devia
governar. São muitos, mas num deles se referia a de que maneira devia fazer justiça e recomendava: tivesse sempre presente que três
deuses colocaram os antigos com
os olhos vendados, Astréa, deusa
da Justiça, Cupido, deus do amor, e
Pluto, deus da riqueza. Tirava a
conclusão de que, se estavam com
os olhos vedados, era porque não
eram cegos. "É prejudicial em
quem governa riqueza cega, amor
cego -e justiça cega."
O Supremo Tribunal Federal,
em seu último julgamento, mostrou que o preconceito de que a
prerrogativa de foro é privilégio
não resiste. Ela, ao contrário, é necessária, não é impunidade nem
tão pouco perspectiva de fugir ao
processo legal. É, inclusive, justiça
mais rápida, porque não vai a outra
instância. É decisão final.
Daqui a menos de um ano vão-se
completar 200 anos da instituição
de um tribunal supremo, quando
dom João 6º, em 10 de maio de
1808, criou a Casa de Suplicação do
Brasil, "considerada como Superior Tribunal de Justiça para nele
se findarem todos os pleitos" que
não teriam de ir mais a Portugal,
para a outra Casa de Suplicação de
Lisboa. Bernardo Pereira de Vasconcelos, que foi o Ruy Barbosa daquele tempo, dizia, em 1826, que
esse Tribunal "exercia suas atribuições com grande vexame público".
Naquele tempo, os juízes eram políticos, e a Justiça nada tinha de independente.
Para que se tenha uma noção de
como avançamos na concepção
desse Tribunal, basta lembrar que,
quando dom João o criou, invocava
a necessidade de ele defender "o
sagrado direito da propriedade, o
mais seguro da sociedade civil". Já
o Supremo Tribunal Federal, republicano, nas considerações de
Campos Salles, então ministro da
Justiça, falava da "missão histórica
da Corte", no sentido de ser "um
ponto de partida para um sólido regime de liberdade, de direitos individuais". Hoje cabe-lhe defender
os direitos sociais.
Grandes julgamentos coletivos
às vezes ocorrem. Agora foram 40
réus; no tempo de Floriano, Ruy
Barbosa pediu habeas corpus para
46 pacientes, generais, almirantes,
jornalistas e até o nosso poeta Olavo Bilac. Perdeu. O pedido foi negado, com apenas um voto divergente. Ruy beijou a mão do ministro
que votou a favor.
O Brasil caminhou muito em
suas instituições, e ao Supremo entregou a missão de ser o guardião
da Constituição, sendo como pedia
Ruy Barbosa: "Venerando, severo,
incorruptível guarda vigilante desta terra".
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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