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Lavei a égua
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Uma semana de
muito trabalho e fui dormir cansado,
dormi como uma pedra -não sei se
as pedras dormem, mas desde criança
ouço essa expressão. E, como outras
que andam por aí, não vou perder
tempo em averiguar. Certa vez tentei
pesquisar algumas dessas outras, como ""lavei a égua" e ""pão que o diabo
amassou". Não cheguei a nenhum resultado.
Como ia dizendo, dormi como uma
pedra e acordei pensando que era segunda-feira. Não era. Um sol de domingo se abria sobre a Lagoa, convidando à caminhada matinal. Amaldiçoei o tempo, um dia daqueles dando sopa e eu tendo milhões de compromissos pela frente.
Cumpri a rotina das segundas-feiras, com a má vontade que dedicamos
às segundas-feiras e que, no meu caso
particular, estendo para todo o resto
da semana. Daí o susto da empregada
que me serviu o café quando me viu
vestido como se fosse trabalhar. Por
ela fiquei sabendo que era domingo.
São dessas coisas que a gente não espera. Nunca encontrei um milionário
desprevenido e mal informado que me
dissesse, ""olha, pensei bem e decidi dar
vinte milhões de dólares para você começar um pé-de-meia para a velhice".
Se com o dinheiro é difícil acontecer isso, com o tempo é impossível.
Não sei se um domingo de sol na Lagoa vale o equivalente, ou seja, vinte
milhões de dólares. Talvez valha mais.
Como a hipótese dos dólares é remota,
folguei com a informação da empregada. Ele me doou um domingo que
eu julgara morto e sepultado.
Não sou fanático pelos domingos,
mas saber que havia ganho 24 horas
foi uma alegria suplementar naquele
dia de sol. Nunca aproveitei manhã
assim, tudo me parecia dádiva. Lavei
a égua, seja lá o que significa uma
égua lavada.
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