São Paulo, quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Transformando a verdade inconveniente

LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO

É hora de calcular quanto cada cidadão e cada país precisa fazer para salvar o planeta dessas catástrofes ambientais anunciadas

"UMA VERDADE inconveniente", título do documentário idealizado pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos Albert Arnold Gore Jr., sensibilizou aqueles que decidem o vencedor do Prêmio Nobel da Paz até a Academia de Hollywood, que lhe premiou com um Oscar.
O filme sobre a degradação do meio ambiente também colaborou para incluir a questão climática na agenda prioritária do mundo e deixou um recado do próprio Al Gore que ecoa em nossos corações e mentes: "Enfrentamos uma verdadeira emergência planetária. A crise climática não é uma questão política, é um desafio moral e espiritual para toda a humanidade".
Para engrandecer o aviso da gravidade do problema, o Prêmio Nobel foi dividido com o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), cujo presidente, o cientista indiano Rajendra Pachauri, se tornou uma das vozes mais atuantes contra o modelo de desenvolvimento que transforma o clima e leva ao aquecimento global.
Mas o que podemos fazer no nosso cotidiano? Sem dúvida, promover a educação ambiental de forma incansável para que as futuras gerações adquiram novos valores e tenham uma transformadora percepção sobre a questão, uma vez que tudo o que comemos, como moramos, como nos deslocamos, o que consumimos e como descartamos nosso lixo impacta todos os seres e o planeta.
É nesse processo de conscientização que se insere a Campanha em Defesa do Meio Ambiente da OAB-SP, a ser lançada hoje. Entre outras iniciativas, pretende mudar hábitos e atitudes dos estudantes da rede pública por meio do projeto OAB Vai à Escola, que há 11 anos vem levando cidadania a milhões de estudantes por meio do trabalho de 10 mil advogados voluntários. Também quer propor medidas simples, como o recolhimento do óleo de cozinha, transformando esse resíduo altamente poluidor em energia ou sabão, uma vez que um litro de óleo basta para poluir 1 milhão de litros de água.
Temos também um imenso arsenal para defender o planeta minuciosamente detalhado na Agenda 21, mas pouco se fez efetivamente nesse sentido. Passados exatos 15 anos desde o estabelecimento do documento-agenda na Conferência das Nações Unidas que debateu o meio ambiente e sua interface com o desenvolvimento, no Rio de Janeiro (1992), precisamos urgentemente fazer um balanço dos nossos avanços no cumprimento de metas e propostas nele contidas.
É hora de calcular quanto cada cidadão e cada país precisa fazer para salvar o planeta de tantas catástrofes ambientais anunciadas em maior ou menor grau. Nisso, o documento traz a sábia divisão das responsabilidades.
A Agenda 21 nada mais é do que um plano de propostas de ações para serem adotadas em níveis local e nacional para chegar num resultado global. Organizações do sistema das Nações Unidas, todos os governos, entidades da sociedade civil e cada cidadão devem fazer sua parte para mitigar práticas que impactam o meio ambiente. Ou seja, constitui-se na mais abrangente tentativa de orientar a sociedade mundial para um novo padrão de desenvolvimento, que tem como base a convergência de ações que tratem da sustentabilidade ambiental, social, econômica e cultural como um todo.
Naturalmente, a Agenda 21 é um dos compromissos assumidos. Além dela, resultaram desse processo quatro outros acordos de abrangência universal -a Declaração do Rio, a Declaração de Princípios sobre o Uso das Florestas, a Convenção da Biodiversidade e a Convenção sobre Mudanças Climáticas, que tem merecido as mais calorosas discussões porque os resultados maléficos do aquecimento global chegam todos os dias. É possível esquecer o furacão Katrina, o derretimento de geleiras milenares, a desertificação de terras antes agricultáveis, a seca na floresta amazônica, para citar as mais contundentes?
Nada é impossível. Mas por que parece tão difícil avançarmos no cumprimento das propostas do ecologicamente correto? Certamente porque ainda não houve, na conduta da elite político-econômica mundial, a verdadeira e necessária integração entre meio ambiente e desenvolvimento na tomada de decisões, com a sublimação do moderno conceito socioambiental a determinar que homem e natureza são entes indissociáveis.
A cegueira torna a verdade da degradação ambiental inconveniente, mas é preciso abrir os olhos para a nossa responsabilidade e para o fato de que todo ato poluidor não é isolado, tem reflexos sobre toda a humanidade e sobre o planeta.


LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO, 47, advogado criminalista, mestre e doutor pela USP, é presidente da OAB-SP (seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Paulo Maluf: Fidelidade partidária e democracia

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.