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TENDÊNCIAS/DEBATES
Transformando a verdade inconveniente
LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO
É hora de calcular quanto cada cidadão e cada país precisa fazer para salvar o planeta dessas catástrofes ambientais anunciadas
"UMA VERDADE inconveniente", título do documentário idealizado pelo
ex-vice-presidente dos Estados Unidos Albert Arnold Gore Jr., sensibilizou aqueles que decidem o vencedor
do Prêmio Nobel da Paz até a Academia de Hollywood, que lhe premiou
com um Oscar.
O filme sobre a degradação do meio
ambiente também colaborou para incluir a questão climática na agenda
prioritária do mundo e deixou um recado do próprio Al Gore que ecoa em
nossos corações e mentes: "Enfrentamos uma verdadeira emergência planetária. A crise climática não é uma
questão política, é um desafio moral e
espiritual para toda a humanidade".
Para engrandecer o aviso da gravidade do problema, o Prêmio Nobel foi
dividido com o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), cujo presidente, o cientista indiano Rajendra Pachauri, se tornou
uma das vozes mais atuantes contra o
modelo de desenvolvimento que
transforma o clima e leva ao aquecimento global.
Mas o que podemos fazer no nosso
cotidiano? Sem dúvida, promover a
educação ambiental de forma incansável para que as futuras gerações adquiram novos valores e tenham uma
transformadora percepção sobre a
questão, uma vez que tudo o que comemos, como moramos, como nos
deslocamos, o que consumimos e como descartamos nosso lixo impacta
todos os seres e o planeta.
É nesse processo de conscientização que se insere a Campanha em Defesa do Meio Ambiente da OAB-SP, a
ser lançada hoje. Entre outras iniciativas, pretende mudar hábitos e atitudes dos estudantes da rede pública
por meio do projeto OAB Vai à Escola,
que há 11 anos vem levando cidadania
a milhões de estudantes por meio do
trabalho de 10 mil advogados voluntários. Também quer propor medidas
simples, como o recolhimento do óleo
de cozinha, transformando esse resíduo altamente poluidor em energia
ou sabão, uma vez que um litro de
óleo basta para poluir 1 milhão de litros de água.
Temos também um imenso arsenal
para defender o planeta minuciosamente detalhado na Agenda 21, mas
pouco se fez efetivamente nesse sentido. Passados exatos 15 anos desde o
estabelecimento do documento-agenda na Conferência das Nações
Unidas que debateu o meio ambiente
e sua interface com o desenvolvimento, no Rio de Janeiro (1992), precisamos urgentemente fazer um balanço
dos nossos avanços no cumprimento
de metas e propostas nele contidas.
É hora de calcular quanto cada cidadão e cada país precisa fazer para
salvar o planeta de tantas catástrofes
ambientais anunciadas em maior ou
menor grau. Nisso, o documento traz
a sábia divisão das responsabilidades.
A Agenda 21 nada mais é do que um
plano de propostas de ações para serem adotadas em níveis local e nacional para chegar num resultado global.
Organizações do sistema das Nações Unidas, todos os governos, entidades da sociedade civil e cada cidadão devem fazer sua parte para mitigar práticas que impactam o meio
ambiente. Ou seja, constitui-se na
mais abrangente tentativa de orientar a sociedade mundial para um novo
padrão de desenvolvimento, que tem
como base a convergência de ações
que tratem da sustentabilidade ambiental, social, econômica e cultural
como um todo.
Naturalmente, a Agenda 21 é um
dos compromissos assumidos. Além
dela, resultaram desse processo quatro outros acordos de abrangência
universal -a Declaração do Rio, a Declaração de Princípios sobre o Uso das
Florestas, a Convenção da Biodiversidade e a Convenção sobre Mudanças
Climáticas, que tem merecido as mais
calorosas discussões porque os resultados maléficos do aquecimento global chegam todos os dias. É possível
esquecer o furacão Katrina, o derretimento de geleiras milenares, a desertificação de terras antes agricultáveis,
a seca na floresta amazônica, para citar as mais contundentes?
Nada é impossível. Mas por que parece tão difícil avançarmos no cumprimento das propostas do ecologicamente correto? Certamente porque
ainda não houve, na conduta da elite
político-econômica mundial, a verdadeira e necessária integração entre
meio ambiente e desenvolvimento na
tomada de decisões, com a sublimação do moderno conceito socioambiental a determinar que homem e
natureza são entes indissociáveis.
A cegueira torna a verdade da degradação ambiental inconveniente,
mas é preciso abrir os olhos para a
nossa responsabilidade e para o fato
de que todo ato poluidor não é isolado, tem reflexos sobre toda a humanidade e sobre o planeta.
LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO, 47, advogado criminalista, mestre e doutor pela USP, é presidente da OAB-SP (seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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