São Paulo, sábado, 31 de outubro de 2009

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

O exemplo de Celso Furtado

SÃO PAULO - Celso Furtado (1920-2004) escreveu "Formação Econômica do Brasil", sua obra mais decisiva e influente, entre novembro de 1957 e fevereiro de 1958. Estava em Cambridge, na Inglaterra, onde permaneceu por um ano.
Redigidas à mão cerca de 400 páginas, o economista procurou por semanas quem as datilografasse. Em vão. Decidiu então despachá-las ao Brasil num envelope. A caminho do correio, um amigo o convenceu a microfilmar o manuscrito.
Tempos depois, Furtado constatava que o pacote havia se extraviado. Apreensivo, foi à versão filmada sem saber ainda se era legível. Sim, era. Com uma Olivetti recém-comprada, datilografou, uma a uma, as páginas do livro, aproveitando para tornar o texto mais claro e conciso.
Gato escaldado, decidiu enviar ao Brasil em envelopes separados cada um dos 36 capítulos. Quatro meses depois, trabalho já encerrado, o original foi encontrado num depósito da alfândega do Rio de Janeiro. Considerado material suspeito, estava largado, à espera de inspeção.
"Mais do que dos anos de observação e estudo, aprendi com esse episódio o que é o subdesenvolvimento, essa manifestação de idiotice alastrada no organismo social", diria no tomo inicial de sua autobiografia, "A Fantasia Organizada".
Essa história é narrada pela jornalista e tradutora Rosa Freire D'Aguiar Furtado, viúva de Celso, na apresentação da edição comemorativa dos 50 anos do livro, recém-lançada pela Cia. das Letras.
Na introdução, o historiador Luiz Felipe de Alencastro lembra que Furtado, "pensador, professor, homem de Estado", recusou convites milionários para trabalhar no setor financeiro depois de passar pela vida pública. Idealizador da Sudene e ministro do Planejamento de João Goulart, retornou à sala de aula.
Ex-ministros tucanos que viraram banqueiros e petistas de Estado que hoje atuam como lobistas do capital alheio devem ter tempo de sobra para ler e refletir sobre esse clássico da interpretação do Brasil.


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