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FERNANDO DE BARROS E SILVA
O exemplo de Celso Furtado
SÃO PAULO - Celso Furtado
(1920-2004) escreveu "Formação
Econômica do Brasil", sua obra
mais decisiva e influente, entre novembro de 1957 e fevereiro de 1958.
Estava em Cambridge, na Inglaterra, onde permaneceu por um ano.
Redigidas à mão cerca de 400 páginas, o economista procurou por
semanas quem as datilografasse.
Em vão. Decidiu então despachá-las ao Brasil num envelope. A caminho do correio, um amigo o convenceu a microfilmar o manuscrito.
Tempos depois, Furtado constatava que o pacote havia se extraviado. Apreensivo, foi à versão filmada
sem saber ainda se era legível. Sim,
era. Com uma Olivetti recém-comprada, datilografou, uma a uma, as
páginas do livro, aproveitando para
tornar o texto mais claro e conciso.
Gato escaldado, decidiu enviar ao
Brasil em envelopes separados cada
um dos 36 capítulos. Quatro meses
depois, trabalho já encerrado, o original foi encontrado num depósito
da alfândega do Rio de Janeiro.
Considerado material suspeito, estava largado, à espera de inspeção.
"Mais do que dos anos de observação e estudo, aprendi com esse
episódio o que é o subdesenvolvimento, essa manifestação de idiotice alastrada no organismo social",
diria no tomo inicial de sua autobiografia, "A Fantasia Organizada".
Essa história é narrada pela jornalista e tradutora Rosa Freire D'Aguiar Furtado, viúva de Celso, na
apresentação da edição comemorativa dos 50 anos do livro, recém-lançada pela Cia. das Letras.
Na introdução, o historiador Luiz
Felipe de Alencastro lembra que
Furtado, "pensador, professor, homem de Estado", recusou convites
milionários para trabalhar no setor
financeiro depois de passar pela vida pública. Idealizador da Sudene e
ministro do Planejamento de João
Goulart, retornou à sala de aula.
Ex-ministros tucanos que viraram banqueiros e petistas de Estado que hoje atuam como lobistas do
capital alheio devem ter tempo de
sobra para ler e refletir sobre esse
clássico da interpretação do Brasil.
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