|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CESAR MAIA
Narcovarejo
A AGÊNCIA antidrogas dos
EUA (DEA) só identificou
os cartéis colombianos em
1984. Com pontos eletrônicos em
barris de éter, aviões de observação
descobriram que a cocaína era refinada em usinas, e não mais artesanalmente.
Em seguida, identificou as estruturas empresariais do tráfico de
drogas com aviões, navios de carga,
lançamento em alto mar, recolhimento por iates de luxo, corredores que se formavam em portos e
aeroportos, a interação com Peru e
Bolívia... O atraso foi de pelo menos
seis anos. Os dois mercados básicos
eram, e são, EUA e Europa, neste
caso, pela substituição parcial de
heroína por cocaína.
Os corredores de exportação para os EUA eram rotas diretas, por
ar e por mar, da grande plataforma
atual, via cartéis mexicanos. Mas,
no caso da Europa, sempre foram
necessárias plataformas intermediárias em outros países. No caso
do Brasil, nas cidades com aeroporto ou porto internacional, como
o Rio, em especial, que tem os dois,
e São Paulo, Santos, Vitória e Recife. Os corredores de exportação de
cocaína desenvolvem um mercado
interno de sustentação, um varejo
de drogas. O atacado fica por conta
de esquemas externos de muito
maior sofisticação.
Infeliz coincidência. No início
dos anos 80, ocorre a transição democrática no Brasil. Os primeiros
governadores eleitos pelo voto direto, em Estados como Rio, São
Paulo e Pernambuco, haviam enfrentado a ditadura e vinham com
seus compromissos sociais e o desmonte das máquinas repressivas
de suas polícias. Sem nenhuma informação sobre a estrutura empresarial existente, que nem o DEA conhecia até 1984, os orçamentos foram pendendo para a área social,
contra a segurança pública.
Até ali, as polícias militares eram
parte do Exército, e seus recursos
contavam com um orçamento federal adicional. Passaram a depender dos orçamentos locais.
Constrói-se com rapidez o varejo
interno de cocaína, cujo desenho
fundador foi carioca, por ser o corredor mais importante. Aos poucos, foi sendo "exportado" para outras grandes cidades.
O narcovarejo eliminou a ideia
do traficante separado do usuário,
e a violência associada a ele avançou a taxas crescentes, com a vida
banalizada. A cocaína como um objeto de delito de consumo social
prazeroso e de alto poder de corrupção avançou como mercado.
A dinâmica inicial do narcovarejo operado por moradores das comunidades desapareceu, e a violência ganhou imagens de terror.
As armas pesadas vieram para ataque/defesa de "territórios". E para
a oferta, sempre elástica, de drogas
e de armas. Um nó de complexo
desatamento. Uma equação que
exige muito mais do que vontade
para ser resolvida.
cesar.maia@uol.com.br
CESAR MAIA escreve aos sábados nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: O humor homicida Próximo Texto: Frases
Índice
|