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RUY CASTRO
O humor homicida
RIO DE JANEIRO - É incrível,
mas Ronaldo Bôscoli, vivo, teria feito 80 anos na terça-feira. Amigos
meus, já perto ou passados dessa
idade, não verão nada de incrível
nisso. Mas o espanto não está nos
80 anos, e sim em Ronaldo Bôscoli.
Essa idade não lhe assentaria bem.
Talvez por isso tenha preferido pegar o boné aos 65, em 1994.
Para quem não sabe, Bôscoli foi o
primeiro letrista da bossa nova. São
dele "Fim de Noite", "Lobo Bobo",
"Se É Tarde Me Perdoa", "Ah! Se Eu
Pudesse", "O Barquinho", "Telefone", "Vagamente", "Você", "Nós e o
Mar", "Rio" e tantas mais, de parceria com Chico Feitosa, Carlos Lyra
e Roberto Menescal. Todas de 1957
a 1965. Em tão pouco tempo, fez
muita coisa boa.
E mais não fez porque estava ocupado agitando a bandeira da bossa
nova, introduzindo-a nas revistas
em que trabalhava como repórter,
produzindo shows e abusando de
seu charme para seduzir cantoras
-foi noivo de Nara Leão, namorado
de Maysa e marido de Elis Regina.
Fora as que conquistou e levou, mas
deixou pelo caminho.
Os homens não gostavam de Ronaldo, porque ele se dava bem com
as mulheres. As mulheres idem, e
pelo mesmo motivo. Mas, ao conhecê-lo, ninguém estava a salvo de seu
poder para, em minutos, cativar e
até enternecer o interlocutor. Poder que, também de repente, convertia-se num apelido fatal ou numa observação curta, cruel, hilariante e na mosca sobre esse mesmo interlocutor. Pelas costas, claro.
Seu humor era irresponsável, incorreto, quase homicida. Ronaldo
precisava dele para viver, assim como de seu poder de enfeitiçar. Daí
porque os 80 anos não lhe fariam
bem. No fim da vida, doente, emaciado e sem visitas femininas no
apartamento do Barramares, ele se
aplicava esta severa autodefinição:
"Eu já fui um gato. Hoje, do gato, só
tenho a asma".
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