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FREDERICO VASCONCELOS
Cobras e lagartos
Nos balanços de fim de ano, a
Operação Anaconda vai estar entre os principais acontecimentos de
2003, ainda que tenha começado no
ano anterior e no governo tucano.
Quando a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça trabalham afinados e sem disputar holofotes, as investigações costumam ter começo,
meio e fim. Foi assim na fraude do
Banco Nacional, nos anos 90.
O surpreendente na desmontagem
da suposta quadrilha que negociava
sentenças foi o sigilo mantido na fase
de apuração. Paradoxalmente, se não
tivesse havido vazamento na etapa seguinte, dificilmente o TRF (Tribunal
Regional Federal) prenderia um juiz.
Apesar do clamor público e das provas robustas, os réus são apenas suspeitos até decisão final da Justiça. Mas
a Operação Anaconda oferece a oportunidade para que o Judiciário reflita
sobre os limites das corregedorias e
avalie a quem favorece o sigilo nas investigações de juízes muito suspeitos.
Uma consulta aos sites dos tribunais
já revelava, havia muito tempo, os
inúmeros processos que envolviam o
magistrado tido como um dos mentores da suposta organização criminosa.
Durante anos, o juiz João Carlos da
Rocha Mattos desafiou o TRF. Ele chegou a ser afastado, em 1992, ao ameaçar o então presidente daquele tribunal, o desembargador Homar Cais.
"Conheço muitas coisas a respeito
das condutas profissionais e pessoais
de Vossa Excelência e de sua mulher
[Cleide Previtalli Cais, à época procuradora-chefe da Procuradoria da República em São Paulo]", afirmou o juiz
em carta a Cais. E advertiu: "Levarei
tudo às últimas consequências".
Por causa da ousadia, o juiz foi afastado do cargo. Mas retornaria como
titular da 4ª Vara graças à prescrição
da punição disciplinar e porque o Ministério Público Federal não propôs,
na ocasião, uma ação penal. Assim entenderam, pelo menos, os tribunais
superiores.
Mesmo não tendo competência para tal, Rocha Mattos mandou soltar
um réu preso por decisão do tribunal.
Numa penada, facilitou o arquivamento do caso das importações superfaturadas de Israel no governo
Orestes Quércia e impediu que o TRF
julgasse denúncia de 500 páginas que
fora recebida em decisão unânime.
O juiz sofreu censura unânime do
TRF por desobedecer ao tribunal e decidir sobre o destino a ser dado a milhões de dólares apreendidos de um
contrabandista. A censura equivale à
suspensão do cargo, mas é punição
inócua se não há publicidade.
É sabido que o juiz manteve desembargadores acuados. Ofereceu representações contra os que o investigavam em inquéritos sigilosos. As buscas e apreensões da Anaconda oferecem vestígios da arapongagem que
bisbilhotava o patrimônio e a vida privada de vários juízes e promotores.
É impossível avaliar os danos com
inquéritos de solução controvertida
que, nos últimos 15 anos, passaram
pelas mãos de magistrados hoje sob
suspeição. O caso Cobrasma, as importações de Israel, o escândalo dos
precatórios, os desvios do fórum trabalhista de São Paulo são apenas alguns desses processos de final duvidoso. O bote da anaconda, cobra que devora lentamente as vítimas, veio tarde.
A imprensa costuma divulgar denúncias e não registrar com igual destaque as absolvições. Pois a Anaconda
sugere que houve omissão maior. Não
se questionaram, na época, as muitas
decisões judiciais que beneficiaram
tantos políticos e empresários notáveis.
Frederico Vasconcelos é repórter especial. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo
de Delfim Netto, que escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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