São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

2005 deixará uma "herança maldita" para 2006?

NÃO

Mais fortes e mais seguros

ANTONIO PALOCCI FILHO

Em 2005 , o país cresceu em muitos aspectos e se tornou mais forte e seguro de si. Está mais forte porque há três anos o governo federal tem mostrado que sua liderança pode dar condições para as empresas e os trabalhadores criarem um país que cresce com inflação baixa, contas públicas em ordem e um setor externo em expansão. Além disso, aprendemos que, ao decidirmos não resolver problemas políticos relaxando os critérios de condução da economia, o país ganha e os problemas vão sendo resolvidos na medida em que são tratados nas instâncias próprias e com respeito aos processos institucionais.
Do ponto de vista técnico, as condições para o crescimento econômico são muito favoráveis nessa entrada de ano. O ambiente externo é positivo e a significativa criação de emprego nos últimos 26 meses dá um impulso à demanda interna, que irá suplementar aquele dado pelo aumento do crédito privado observado recentemente.
O crescimento do crédito privado, inclusive por meio dos mercados de capital, no qual o volume de debêntures emitidas em 2005 mais que dobrou em relação à média histórica, é uma das heranças boas de 2005 e um indicador de como a economia brasileira amadureceu e começa a cruzar novos mares. Há aí uma pequena revolução em curso, com empresas e bancos tomando mais riscos por si próprios, sem a intermediação do setor público, e os bancos aprendendo a se tornar menos dependentes do financiamento do déficit público para se remunerar.
Aprendi que reverter o fenômeno da expulsão do crédito privado pelo gasto público (sugestivamente chamado de "crowding out" nos livros de economia) ajuda a diminuir as distorções da economia e incentiva o investimento. Pode-se, portanto, comemorar os sinais de "crowding in" descritos acima, que são resultados tangíveis da política econômica que o governo Lula tem seguido, traduzida pela redução da relação dívida/PIB, queda sistemática e alongamento da curva de juros nominais de médio prazo, além de outros elementos que permitem uma economia se planejar e investir com segurança.
Nosso compromisso fiscal para os próximos três anos está inscrito na LDO para 2006 e no compromisso do presidente seguida e publicamente reiterado. Essa é a herança de 2005. A alguns, pode parecer que ter de afastar novas dúvidas sobre o nosso compromisso fiscal, depois de todo o esforço já feito, seja enxugar gelo. Mas isso é normal em qualquer democracia.
O importante é entendermos os sinais de confiança dados, por exemplo, pela inédita emissão do BRL 2016 em setembro último. Trata-se de um título soberano denominado em reais e com dez anos de prazo, cuja remuneração inicial, de 12,75% (nominais!), já caiu para 12,5%. Essa é a transformação a que podemos aspirar e que ajudará a lidar com muitos outros problemas do país. Virar sem sobressaltos a página do nosso endividamento com o FMI e o Clube de Paris é apenas mais uma outra evidência dessa tendência.
Há, entretanto, ainda alguns riscos e várias áreas em que temos que continuar trabalhando para colher o que semeamos. Se as dúvidas sobre a questão fiscal retrocedem cada vez mais -inclusive pela firmeza com que o governo tem lidado com os complexos e candentes problemas da Previdência Social-, deve-se reconhecer que as expectativas de queda da taxa de juros ainda são temperadas no curto prazo por interrogações quanto à sensibilidade dos preços a aumentos da demanda agregada.
Essa sensibilidade é o real significado da distância entre o PIB e seu "potencial", sendo um dos maiores freios ao crescimento sustentável e fator do custo do combate à inflação. Acredito que, felizmente, esse risco está diminuindo, na medida em que nossas empresas vão abrindo seus horizontes e a concorrência regula o jogo dos preços.
Já colhemos benefícios da abertura comercial -tendo o país se destacado em 2005 pelo combate aos subsídios e ao protecionismo. O saldo comercial vem excedendo as expectativas mais otimistas, tendo a participação do comércio exterior na economia dobrado. Esse desempenho não foi homogêneo em todos os setores, e o governo está atento a isso. Mas o comércio tem facilitado a modernização das empresas e contribuído para que 2004 e 2005 se tornem anos de criação de emprego e de lucros recordes para o setor produtivo. Como em 2005, o governo continuará melhorando a qualidade dos impostos.
Finalmente, um importante legado de 2005 foi a conscientização da importância do controle e melhora do gasto público para diminuir o peso de novos aumentos da carga tributária sobre a sociedade e abrir espaço para o investimento público. Tenho convicção de que essa herança se manifestará não só em 2006 mas também nos anos futuros. O ganho de credibilidade é um processo cumulativo. A persistência nas políticas macroeconômicas que vêm sendo implementadas reforça a credibilidade e abre espaço para a continuidade e aprofundamento das reformas estruturais que aumentarão o nosso potencial de crescimento.


Antonio Palocci Filho, 45, médico sanitarista, é o ministro da Fazenda.


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