São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 2006

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CLÓVIS ROSSI

Uma ficção chamada Lula

SÃO PAULO - Almocei um dia, em Havana (Cuba), com o presidente da Casa das Américas, centro cultural do governo. O nome dele me escapa agora. Na União Soviética, eram tempos das reformas que pavimentaram o caminho para o fim do comunismo.
Perguntei ao funcionário cubano se seu país, por gosto ou por necessidade, não acabaria fazendo reformas idênticas. Resposta: "Durante 70 anos, nos disseram que a VERDADE era uma.
Agora, a VERDADE é outra. Quem nos garante que, amanhã ou depois, não nos venham a dizer que valia a VERDADE original?".
Lógica perfeita, ainda que desse margem a meio século de polêmica semântico-sociológica que não levaria a lugar nenhum.
A frase do funcionário cubano me volta à mente cada vez que vejo as reviravoltas nos amores e idéias de Luiz Inácio Lula da Silva. A mais recente delas foi a confissão de que mentiu durante toda a vida como dirigente sindical. Ou, como ele prefere, viveu (e ganhou prestígio) em função de uma ficção.
A frase integral é esta: "Na verdade, o salário mínimo era uma peça de ficção para discurso nosso no dia 1º de maio".
Se criou uma ficção para fazer carreira antes, quem pode garantir que tudo o que disse e fez depois de chegar ao poder não é também uma ficção, o que talvez venha a ser reconhecido lá na frente? Os comunistas pelo menos levam uma vantagem sobre Lula: em lugar da VERDADE original, puseram outra VERDADE (suposta ou real, não dá para discutir aqui e agora).
Lula, ao contrário, não pôs nada, rigorosamente nada, no lugar da ficção de fazer discurso pelo salário mínimo.
A não ser o "maior prazer", como também confessou no mesmo dia, de vetar um reajuste mais suculento para os aposentados. A ficção pré-poder era mais digna que a nova verdade lulista.


crossi@uol.com.br

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