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Acabou em Portugal
Passagem de delegado pela PF e pela Abin ilustra defeitos e virtudes de mudanças recentes nessas instituições
TERMINOU em melancolia
a passagem de Paulo Lacerda pela cúpula da segurança nacional. Nos
últimos seis anos, à frente da Polícia Federal e, depois, da Agência Brasileira de Inteligência
(Abin), o delegado foi co-autor,
testemunha e vítima de mudanças nas instituições que chefiou.
Delicadamente demitido pelo
presidente Lula, retira-se agora
em Lisboa, onde será adido policial da embaixada, cargo que passou a existir para recebê-lo. A revelação de que nem o presidente
do Supremo Tribunal Federal
escapou da febre de grampos, a
pretexto da chamada Operação
Satiagraha, selou o destino de
Lacerda. Foi afastado da Abin em
setembro e, agora, exonerado.
Ironia do destino, Lacerda foi
derrubado em decorrência de
uma de suas criaturas diletas.
Durante o primeiro mandato de
Lula, o então chefe da Polícia Federal ajudou a consolidar as
"operações" como forma de
atuação do birô -ocorreram 412
no período. Inspiradas num costume militar e batizadas com nomes extravagantes, as operações
ajudaram a modernizar a PF.
O planejamento, a profissionalização, o cruzamento sistemático de dados e o desbaratamento
de esquemas criminosos em setores tradicionalmente intocáveis estiveram presentes nas
mais destacadas operações da
Polícia Federal. O espalhafato, a
exposição de investigados à execração, o abuso de poder e a quebra descontrolada de sigilos
constitucionais, entretanto,
também marcaram muitas dessas ações espetaculares.
Na Abin, Lacerda cometeu pelo menos uma falha grave: a pedido de um delegado da PF que
exorbitou de suas funções, o chefe do escritório de inteligência
destacou 60 agentes para auxiliarem as investigações da Polícia Federal no caso Satiagraha.
Agentes da Abin não podem
exercer atividade de polícia.
A usurpação de funções -bem
como outras ações clandestinas
e estranhas ao protocolo ocorridas naquela operação- deslanchou um lamentável choque entre a Abin e a PF e entre setores
rivais da própria corporação policial. Escritórios da agência de
inteligência foram devassados,
sob mandado judicial, por policiais federais; o sigilo de informações alheias ao inquérito,
consideradas sensíveis pela
Abin, ficou vulnerável.
O balanço da passagem de Lacerda pela PF e pela Abin, vale
ressaltar, é importante não para
que se apurem os méritos e os
deméritos profissionais do delegado. A reconfiguração desses
órgãos nos últimos anos é abrangente e transcende as opções tomadas por seus chefes de turno.
Trata-se de uma mudança institucional, ocorrida no entrechoque entre anseios da sociedade,
burocracias em renovação e instituições de controle. A experiência recente, contudo, mostra
que esse último fator -os freios e
contrapesos destinados a moderar a tendência à autonomia, natural nos aparatos de segurança e
inteligência- precisa de reforço.
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