São Paulo, quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

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O ano político

Paralisia decisória, clima de acomodação e descrédito alteraram, em 2009, o equilíbrio dos Poderes republicanos

O CÍRCULO vicioso do escândalo, do esquecimento e da impunidade marcou, sem que haja nisso maior ineditismo, o ano político de 2009.
Dos abusos cometidos pelos deputados federais nos gastos das verbas indenizatórias aos vídeos protagonizados pelo governador José Roberto Arruda (DEM-DF) e seus apoiadores, passando pela série de denúncias envolvendo o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), acumularam-se casos que, se tomados individualmente, poderiam por si sós derrubar do poder seus protagonistas. Todos restaram incólumes, entretanto.
Sente-se, é claro, que estas linhas poderiam ter sido idênticas em qualquer ano do passado recente. O que se consolidou em 2009 foi a percepção de que uma verdadeira tecnologia de malversação dos recursos públicos ramificou-se por todos os níveis administrativos do país e pelo conjunto das agremiações partidárias, não importando a ideologia que professem.
Resulta disso uma espécie de "neutralização" do potencial político de qualquer escândalo -de que são sintoma, talvez, os últimos números da pesquisa Datafolha sobre o desempenho dos parlamentares. A reprovação é intensa (40% dos eleitores brasileiros consideram "ruim" ou "péssima" a atuação de seus representantes no Congresso), mas não difere demasiado da registrada dois anos atrás, quando chegou a 45%.
Todavia, não é apenas devido à rotinização dos escândalos que a vida política em 2009, ao menos em seu sentido institucional mais estrito, estagnou-se de modo desalentador.
Ainda que se contabilize, em comparação com anos anteriores, um relativo crescimento no número de projetos de lei de iniciativa do Congresso, foi baixa a sua capacidade de responder às demandas da sociedade.
O mundo das decisões políticas, entretanto, não se paralisa -e é assim que as decisões tomadas pelo Judiciário ganharam relevância talvez inédita no país, mostrando-se por vezes mais polêmicas e dramáticas do que as do sistema partidário e político tradicional.
Do destino de governadores eleitos às reservas indígenas de Roraima, recaíram sobre os ministros do Supremo deliberações complexas, às quais se entregaram com envolvimento e mesmo passionalidade exacerbada.
Em qualquer país, uma corte constitucional está naturalmente dedicada a resolver dilemas de extrema relevância. Mas o equilíbrio dos Poderes pendeu de tal forma para o Judiciário, que sem dúvida se empolou -como no caso inaceitável da manutenção da censura à imprensa- o império arbitral dos membros do Supremo, com seu cortejo de contradições e vaidades demasiado humanas.
É como se, em 2009, a política só tivesse conseguido sobreviver à erosão institucional projetando-se em arenas não ainda tomadas pelo descrédito. Continuou a fazer-se, mas deslocada do seu centro parlamentar. E, mais do que nunca, ao arrepio da opinião pública.


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