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Fim de século
OTAVIO FRIAS FILHO
Se revistas prestigiosas abarcam todo
o milênio numa só edição, não será tão
absurdo resumir um século, mais modestamente, num artigo. E a fisionomia do século 20 está mais do que
pronta. O século 21 pode começar no
ano 2001, mas esta é a última passagem
de ano antes da Grande Passagem, a do
cabalístico ano 2000.
Nova York terá sido a capital deste
século, como Paris foi a do século 19.
Seu oceano central foi o Atlântico, lugar a ser ocupado pelo Pacífico -dizem- no século que vem. Sua arte foi
o cinema, sua língua, o inglês. Seus
marcos foram duas guerras de proporções nunca vistas e dois experimentos
coletivistas brutais e fracassados.
Junto com a Coca-Cola, os emblemas
desses experimentos -a foice e o martelo e a cruz gamada- ficarão aderidos à memória do século que termina.
Serão vistos, talvez, como momento de
imaturidade da então nascente sociedade de massas, ainda incapaz de equilibrar seus impulsos de destruição e
conservação.
Chama a atenção que, num século no
qual a civilização técnica adquiriu tanta proeminência, seus impactos sobre
a vida cotidiana se concentrem nos
primeiros 25 anos, época de difusão da
luz elétrica, do fonógrafo e depois do
rádio, do próprio cinema, do carro, do
avião -o apogeu, enfim, da revolução
mecânica.
No que é visível, este final de século
desaponta as fantasias da ficção científica. Muitas se tornaram tecnicamente
realizáveis, mas implausíveis. As que se
concretizaram -Internet, celular, TV
a cabo- correspondem apenas a uma
parte do mundo prometido, por exemplo, no seriado "Os Jetsons", de meados dos anos 60.
Sob a superfície dos acontecimentos,
num século que descobriu a trepidação
do que é imediato, urgente, processos
subterrâneos e persistentes mudaram
o perfil da humanidade. Avanços médicos e sanitários contribuíram para
quase quadruplicar a população em
cem anos; todos os indicadores sociais
melhoraram exponencialmente.
Tudo indica que a civilização tecnológica se expande em escala geométrica
e que essa expansão acarreta melhoria
nos níveis de vida de forma mais ou
menos independente dos regimes sociais ou políticos. Esse seria o saldo
"otimista" do século 20. O saldo
"pessimista" é que os problemas de
fundo permanecem.
Os mecanismos de produção de riqueza -a competição, o lucro- parecem incompatíveis, especialmente neste momento, com os mecanismos que
permitiriam compartilhá-la. Por mais
que tenha surgido um esboço de consciência internacional, as relações entre
nações e grupos seguem baseadas em
recursos de força.
O século 20 começou com três grandes utopias -o socialismo, a psicanálise e a arte moderna-, que prometiam libertar da escassez, do sofrimento mental (em grande parte, ao menos)
e do conformismo. Com todos os seus
méritos inegáveis -o antibiótico, a
vacina Sabin!-, essas são metas que
ficam para um feliz século 21.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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