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Ha, ha, ha!
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Ontem, penúltimo
dia do ano, acordei com aquilo que os
nossos avós chamavam de "maus bofes". Em geral, procuro ficar quieto em
dias assim, para fazer menos estrago
nos outros e em mim mesmo. Mas hoje, com o assanhamento geral que vai
pelo fim-de-ano, não custa praticar
uma felonia.
Eis que denuncio o José Simão, estimado escriba da Ilustrada, como plagiário contumaz de Shakespeare. Um
dos bordões do Simão é o seu "Rarará!", que comparece em quase todas as
suas colunas.
Eis que relia, nesses jucundos dias, o
"Otelo", a peça de Shakespeare que
mais aprecio. E atentei para esse trecho do quarto ato, quando Iago coloca
Otelo escondido num canto, chama
Cássio e conversa com ele sobre Bianca, mas de forma tão equívoca que
Otelo pensa tratar-se de Desdêmona,
sua mulher.
O pérfido Iago (perdoem esse "pérfido", mas, apesar de opiniões e gostos
diferentes, todos concordam que Iago
é mesmo pérfido) pergunta se é verdade o que ela anda espalhando, ou seja,
que vão casar-se. Cássio entende que
"ela" é Bianca. Atrás da porta ou da
cortina, de acordo com a genialidade
do diretor do espetáculo, Otelo pensa
que "ela" é Desdêmona.
A dúvida se dissipa: ele é mesmo corno. E, o que é pior, todo mundo sabe.
Vamos ao original: "Iago - She gives
it out that you shall marry her: do you
intend it? Cássio - Ha, ha, ha!".
Simão limita-se a traduzir o ha, ha,
ha! para o vernáculo, daí resultando
seu Rarará!
Eu queria fazer denúncias menos
graves, mais amenas, apropriadas ao
momento de júbilo como esse, o do
fim-de-ano. Mas outro dia um leitor
me acusou mais uma vez de ter plagiado Fernando Pessoa ("Navegar é
preciso"). Não disse tal. Disse justamente o contrário: navegar não é preciso. Não é apenas o Simão que rouba
de Shakespeare. Fernando Pessoa
também meteu a mão na frase que foi
dita por Pompeu, 19 séculos antes dele.
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