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Análise

Julgamento dos réus na primeira instância não eliminaria risco de prescrição de crimes

GUSTAVO ROMANO
ESPECIAL PARA A FOLHA

As declarações do ministro Ricardo Lewandowski sobre a possibilidade de prescrição dos crimes apontados no processo do mensalão merecem reflexão.

A experiência sugere que a culpa pelo longo atraso no processo não deve ser atribuída à decisão de julgar todos os suspeitos no Supremo Tribunal Federal e não nas instâncias inferiores da Justiça Federal.

Já vimos centenas de casos em que o vaivém de processos envolvendo políticos que perdem mandatos aqui e são comissionados acolá apenas atrasa o julgamento, criando elevadores processuais entre tribunais, obrigando magistrados a refazer continuamente o caminho já trilhado por seus colegas de toga.

Ademais, ainda que o caso fosse julgado na primeira instância, não haveria garantia de celeridade. O número de processos no STF, embora alto (88 mil), já caiu 30% desde 2007 por conta de mudanças internas na instituição. Mas a situação abaixo do STF é crítica.

Segundo o CNJ, o Brasil tem mais de 1 milhão de casos na primeira instância da Justiça Federal, e menos de 1.300 juízes. Uma média de 800 casos por juiz.

Na Justiça estadual a situação na primeira instância é pior: são 18 milhões de casos e 9.000 magistrados: 2.000 casos por cabeça. Ainda que nenhum novo caso chegasse por lá, e continuassem julgando 6,3 milhões de casos por ano, demorariam três anos para limpar as gavetas. Mas 7,7 milhões de novos casos lhes chegam por ano. Não há gaveta que baste.

O risco sistêmico da prescrição ocorre por outras agruras: primeiro, por conta de infindáveis recursos durante e ao fim dos processos. Tivessem sido julgados na primeira instância, a prescrição poderia ocorrer não só lá, mas em qualquer uma das outras três instâncias acima, inclusive no Supremo.

Segundo, pelo excesso de formalismo processual. Os juizados especiais dão certo porque deixam de lado a forma e focam no conteúdo. Não têm o glamour dos debates acadêmicos, mas resolvem o problema.

Terceiro, porque nosso Código Penal, de 1940, refletia um país no qual a expectativa de vida ao nascer era de 41,5 anos. Hoje ela é de 73,5 anos. O perfil demográfico mudou, mas as leis penais, não. A prescrição não é o único caso.

O somatório de penas em 30 anos é outro exemplo. A frustração do ministro é compartilhada por todos, mas a solução exigirá reformas mais profundas.

GUSTAVO ROMANO, mestre em direito por Harvard e ciências políticas pela UFMG, é responsável pelo site www.direito.folha.com.br

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