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Entrevista da 2ª Persio Arida

Brasil tem pacto antiliberal entre elites e governo

Um dos idealizadores do real, economista elogia gestão macroeconômica de dilma, mas critica sua 'tendência protecionista'

Nelson Ching/Bloomberg
O economista Persio Arida durante painel sobre mineração e trem-bala em Pequim, em2010
O economista Persio Arida durante painel sobre mineração e trem-bala em Pequim, em2010

ELEONORA DE LUCENA
De São Paulo

O Brasil foi o último país a ter escravidão. Foi o último a ter hiperinflação e tem um regime de remuneração do FGTS que prejudica os trabalhadores. Demorou muito para criar a Comissão da Verdade para apurar crimes da ditadura. Por trás desses fatos está um pacto antiliberal formado entre elites e governo.

A análise é do economista Persio Arida, 59, um dos idealizadores do Plano Real, que enxerga um denominador comum entre escravidão, hiperinflação e FGTS: "Os mais prejudicados são os mais pobres, sempre".

Para ele, que foi preso e torturado na ditadura, a plataforma liberal foi sempre fraca no país, o que significou "uma certa repressão de liberdades civis".

Ex-presidente do BC e hoje sócio do BTG Pactual, nesta entrevista ele elogia a gestão macroeconômica do governo Dilma, mas critica sua "tendência protecionista". E faz reparos à linha dos "campeões nacionais" adotada pelo BNDES, que presidiu.

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Folha - Qual sua avaliação do governo Dilma?

Persio Arida - O desafio macroeconômico foi bem resolvido. Enfrentou o legado de uma economia excessivamente aquecida. Optou por fazer um "soft landing" [desaceleração suave], que foi bem-sucedido. A inflação reverteu a trajetória de alta e deve seguir em queda moderada. A atividade econômica está desacelerando para a taxa de crescimento brasileira de longo prazo, entre 3,5% e 4%. O câmbio depende do resto do mundo.

Foi um erro ter freado a economia no início do ano passado?

O desaquecimento foi intencional e necessário, e foi numa boa medida. A economia brasileira não cresce a taxas de 2010 -são insustentáveis.

Por quê? O normal é um crescimento baixo?

Uma taxa de crescimento muito acima do normal leva a sobreaquecimento, pressão inflacionária excessiva, gargalos de infraestrutura, falta de poupança doméstica. Hoje a taxa sustentável é algo em torno de 3,5%, 4% -que é o que deveremos crescer neste ano, se não houver percalço maior. Para crescer mais do que isso, precisaria ter mais poupança doméstica ou ter mais poupança externa.

Como o sr. define a política econômica? É desenvolvimentista, ortodoxa?

Do ponto de vista fiscal, a performance de 2011 foi melhor do que a de 2010. É um governo mais austero. Houve uma contração dos balanços do BNDES, o que é positivo. Por outro lado, tem uma tendência protecionista que não é ideal.

Por exemplo?

Automóveis. Está protegendo um grupo de multinacionais contra outro. É difícil de entender a racionalidade.

Emprego no Brasil não seria uma justificativa?

Não. As medidas protecionistas dificilmente têm justificativa. A tendência intervencionista tem que ser contida, pois faz um desacerto no longo prazo.

Mas todos os países adotam medidas assim.

Não existe país perfeito no mundo. Se outros erram, é problema deles. Há uma série de reformas estruturais que poderiam ser feitas em sistemas como FGTS, FAT etc. O Brasil tem uma trajetória preocupante em gastos públicos, que não é de agora. Teria muito a ganhar com contração de gastos públicos e desoneração fiscal. Sei que é uma plataforma impopular.

Qual o impacto do novo salário mínimo?

É desastroso. É uma superindexação. Tem um efeito prejudicial para os custos do trabalho, exerce uma pressão inflacionária e tem um efeito danoso sobre os Orçamentos de Estados e municípios e na Previdência.

Mas esse aumento não dinamiza a economia?

Não. A maneira certa de dinamizar a economia é diminuir taxa de juros e impostos.

A alta do mínimo não distribui renda?

Não. Provoca pressão inflacionária e aumenta os gastos. A melhor distribuição de renda é diminuir a taxa de juros, permitir o desenvolvimento do sistema de hipotecas no Brasil, reajustar bem o FGTS. Evita que os trabalhadores sejam roubados. Quer melhor distribuição de renda do que essa?

E o que o PSDB e a oposição deveriam propor?

Não quero falar sobre política.

Mas o sr. propôs ao PSDB mudar a questão dos juros subsidiados.

Se forem eliminados os créditos direcionados, a taxa de juros vai ser menor. Melhora a distribuição de renda e a alocação de recursos. Mas é um gigantesco tabu. Porque a questão é complexa e por causa de lobbies empresariais que se beneficiam do atual sistema.

Então o Brasil não deveria ter política industrial?

Política industrial pode ter ou pode não ter. Política industrial se deve fazer com o Orçamento, dando isenção fiscal para setores, de forma transparente e pública.

Não via BNDES?

Não por uma via torta que distorce a formação da taxa de juros. No caso do FGTS, concentra renda. Está sendo distorcida a formação da taxa de juros, fazendo com que a Selic seja mais alta e gerando distorções por todos os lados.

O sr. concorda com a linha do BNDES de estímulo aos "campeões nacionais"?

Não, mas entendo a racionalidade dela. Coreia do Sul e outros países a adotaram. Há setores onde há falhas do mercado. Ainda há horizontes de empréstimos relativamente curtos. Mas a análise tem que ser a partir das falhas de mercado, e não da constituição de grupos. Quem tem acesso ao mercado de capitais privado não deveria usar recursos do BNDES. É a visão liberal. Se o mercado não estiver falhando, não tem por que [conceder empréstimo].

Mas o mercado andou falhando demais nesses últimos tempos, não?

A crise de 2008 é uma gigantesca falha regulatória. É uma crise de crédito. Os bancos concederam crédito excessivamente, inventando certas estruturas de crédito paralelas ao sistema bancário. A banca internacional passou drible no regulador.

Como está a economia mundial?

A economia norte-americana está em trajetória de recuperação, o que tende a fortalecer o dólar. Se não houver uma mudança política muito radical nos EUA, a recuperação vai continuar. A China tem outra trajetória de "soft landing". Vai crescer perto de 8,5% neste ano.

Como a desaceleração chinesa afeta o Brasil?

O "sotf landing" chinês não implica redução abrupta da demanda de matérias-primas brasileiras. Tem muito mais a ver com a transformação da China de uma economia primordialmente exportadora para uma economia voltada para o mercado doméstico. Os salários estão subindo, e a China está deixando de ser uma força deflacionária para o mundo. O grande desafio é a Europa.

E o que vai acontecer por lá?

O euro foi uma construção primordialmente política e é um projeto muito bem-sucedido. A Europa enfrenta uma crise de governança interna. Tem um problema bancário.

Os bancos terão que ser socorridos pelos Estados?

Ou estatizados. A estatização de bancos é sempre o último recurso. Mas é melhor estatizar os bancos do que deixá-los quebrar. É difícil prever porque o processo tem uma dinâmica primordialmente política. Há perspectivas de países saírem do euro isoladamente, de nacionalização de bancos -e de empurrar com a barriga por mais um tempo.

A salvação dos bancos não tem a ver com essa crise da dívida soberana?

Obviamente tem. Toda crise bancária sistêmica põe os governos diante de uma situação difícil. Se permitirem que os bancos quebrem, haverá um trauma extraordinário para a formação de poupança. Não se podem repetir os erros de 1929.

O grande drama da grande recessão não foi a queda da Bolsa ou o folclore de alguém que se jogou pela janela. O drama foi a quebra dos bancos. Há que se salvar os bancos. São crises que levam ao aumento da dívida pública. É uma certa transferência, de um excesso de endividamento privado, para um gradual excesso de endividamento público.

É a socialização das perdas?

Sim, mas o termo é meio enganoso. Porque a grande socialização de perdas é uma questão de gerações. A dúvida não é socializar a perda ou não. É se quem paga é só a geração atual ou se você de alguma forma divide o peso do pagamento entre as gerações atual e as futuras.

O sr. foi preso e torturado na ditadura militar. Como analisa a Comissão da Verdade?

Sempre fui a favor da instalação da Comissão da Verdade. Ainda é cedo para fazer uma avaliação. A revisão da Lei da Anistia é um tópico mais difícil. É pena que a discussão esteja acontecendo apenas agora. 


Por que houve demora na discussão?

O Brasil tem seus pactos de silêncio. Falei há pouco sobre FGTS, FAT, que é outro pacto de silêncio. Não é à toa que o Brasil foi o último país do mundo a terminar com a escravidão. Ou o último a terminar com a hiperinflação.

Como explicar isso?

Existe um pacto entre Estado e grupos empresariais e elites no Brasil que é um pacto antiliberal. Liberal no sentido norte-americano, que é o da plataforma, cronicamente fraca no Brasil, da diminuição da intervenção estatal e das liberdades civis.

O Brasil tem muitas similaridades com os EUA, mas, contrariamente a eles, aqui o liberalismo foi sempre fraco. Se olharmos para a escravidão, o FGTS ou a hiperinflação, há um denominador comum: os mais prejudicados são os mais pobres, sempre. O país tem um pacto entre elites e governo antiliberal.

É um pacto a favor do Estado e que sempre se pautou por uma certa repressão de liberdades civis.

É um pacto contra os mais pobres?

Ninguém é contra os pobres. Pacto é feito para tentar beneficiar. Quando se fazem políticas protecionistas, créditos direcionados, privilégios a determinados grupos, quem está implementando e quem recebe benefícios genuinamente pensa que está fazendo o bem comum.

A fraca tradição liberal se expressa nas dimensões econômica e política. Isso se aplica também para liberdades civis. O caso da Comissão da Verdade é um exemplo.

Basta comparar com a reação da sociedade norte-americana à violação das liberdades civis em Guantánamo em pleno contexto do 11 de Setembro.

O sr. leu o "Privataria Tucana"?

Não falo sobre isso.

Como está o seu indiciamento na Operação Satiagraha?

Não quero falar sobre isso.

E sobre Daniel Dantas, seu ex-sócio?

Não quero falar sobre isso.

Leia a íntegra da entrevista
folha.com/no1034168

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